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Rodrigo Mattos

Punir Sheik pela 'vergonha da CBF' é ferir a liberdade de expressão

rodrigomattos

18/09/2014 15h40

Esse texto não é uma defesa de Emerson Sheik. Não se propõe tampouco a discutir os erros e acertos da vida do jogador alvinegro, ou se sua expulsão diante do Bahia foi justa ou injusta. O objetivo aqui é tratar do direito dele de fazer críticas a quaisquer instituição, clube, ou colega desde que sem ofensa. Porque o direito de Sheik é o de todos nós.

Vamos aos fatos. Após ser expulso pelo árbitro Igor Junio Benevenuto, o atacante botafoguense chamou o juiz de safado, segundo o relato da súmula. Depois, virou-se para a câmera e disse que a CBF é uma vergonha.

Separemos os fatos. Sheik pode, sim, ser punido por ofender o árbitro. Está previsto no CBJD (Código Brasileiro de Justiça Desportiva) esse tipo de pena, e, assim como acontece em processos cíveis, uma pessoa responde por crimes de difamação. Na Justiça Desportiva, a possível pena é de suspensão. Ok, são as regras.

Agora, ao dizer que a CBF é uma vergonha, Sheik expressa uma crítica à entidade máxima do futebol brasileira, e a sua arbitragem. Não chamou ninguém de ladrão. Afirmou que o funcionamento da confederação é uma vergonha.

Entre outros itens, como ofensa ao árbitro, o procurador do STJD, Paulo Schmitt, enquadra o no artigo 258 (conduta contrária à ética esportiva) por ataque "à instituição e autoridades com claro intuito intimidatório e desrespeitoso através da mídia". Não é um caso isolado pois a Justiça Desportiva já puniu anteriormente dirigentes por críticas ou ataques, e o CBJD permite essa leitura. Mas é uma medida que vai contra a Constituição Federal.

Está no artigo 5o, nos incisos IV e IX, o direito a livre manifestação do pensamento, e a livre expressão da comunicação. Nenhum regulamento da CBF ou do STJD pode se sobrepor a lei maior.

Imaginem se não fosse Sheik, mas um técnico de renome nacional. Em uma hipótese, ele diz: "A CBF é uma vergonha. A arbitragem do Brasil não funciona, o calendário também não." Ele deveria ser punido por expressar sua opinião?

Certamente Sheik não está certo em todas as suas atitudes na vida. Cometeu muitos erros pelos quais responde por ai. Mas isso não lhe tira um milímetro do direito de opinar sobre um fato de campo, desde que não ofenda ninguém.

Isso vale também para o protesto da torcida do Coritiba à atuação do árbitro Wagner Reway, que apitou dois pênaltis para o Flamengo. Os torcedores têm todo o direito de expressar sua indignação desde que não ofendam ninguém, o que não ocorreu, na minha opinião, com o cartaz sobre o juiz.

Não se trata de discutir o mérito dos protestos, mas do direito deles existirem. "Posso não concordar com nenhuma das palavras que disser, mas defendei até a morte o direito de você dizê-las", afirmou Voltaire, na frase clássica

Por que se o STJD começar a caçar todo mundo que falar mal da arbitragem brasileira e da organização da CBF daqui a pouco estarão excluídos todos os jogadores, técnicos, jornalistas, torcedores e gandulas. Restarão estádios vazios com o presidente da confederação, José Maria Marin, e o doutor Paulo Schmitt na tribuna de honra. Não haverá nenhum grito ou canto de vergonha. Será o ápice do futebol sem vergonha que vivemos hoje no Brasil.

Sobre o Autor

Nascido no Rio de Janeiro, em 1977, Rodrigo Mattos estudou jornalismo na UFRJ e Iniciou a carreira na sucursal carioca de “O Estado de S. Paulo” em 1999, já como repórter de Esporte. De lá, foi em 2001 para o diário Lance!, onde atuou como repórter e editor da coluna De Prima. Mudou-se para São Paulo para trabalhar na Folha de S. Paulo, de 2005 a 2012, ano em que se transferiu para o UOL. Juntamente com equipe da Folha, ganhou o Grande Prêmio Esso de Jornalismo 2012 e o Prêmio Embratel de Reportagem Esportiva 2012. Cobriu quatro Copas do Mundo e duas Olimpíadas.

Sobre o Blog

O objetivo desse blog é buscar informações exclusivas sobre clubes de futebol, Copa do Mundo e Olimpíada. Assim, pretende-se traçar um painel para além da história oficial de como é dirigido o esporte no Brasil e no mundo. Também se procurará trazer a esse espaço um olhar peculiar sobre personagens esportivas nacionais.