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Rodrigo Mattos

Por dívida, Nobre tem poder sobre acordo Palmeiras e Globo após seu mandato

rodrigomattos

27/05/2015 06h00

Com o acordo para pagamento de seus empréstimos, o presidente alviverde, Paulo Nobre, passou a ter poder sobre o contrato do Palmeiras com a Globo para bem além do seu mandado. É o que está descrito no regulamento do fundo criado pelo dirigente, obtido pelo blog. As regras ainda preveem possibilidade de revisão na forma de quitação do débito em caso de rebaixamento do time.

Ao final do ano passado, o Palmeiras tinha dívida de R$ 180 milhões com seu presidente, em empréstimos e encargos. Uma parte ficou em direitos de jogador, e outra em contratos de mútuo. O maior montante (R$ 104 milhões) foi incluído para pagamento pelo Fundo de Investimento em Direitos Creditórios Academia Esportiva.

O pagamento deve ser feito em 15 anos, ou até 2030, período em que serão descontados 10% das receitas do clube. Já existem R$ 93 milhões em ativos no fundo criado por Nobre.

O Fidc é um mecanismo pelo qual uma empresa cede seus ganhos futuros em contratos em troca de receber o dinheiro agora. É uma prática de clubes brasileiros, em geral feita com bancos que costumam ter garantias similares sobre os contratos.

Trecho do regulamento do fundo de Nobre que trata do risco de rebaixamento do Palmeiras

Trecho do regulamento do fundo de Nobre que trata do risco de rebaixamento do Palmeiras

Pois bem, no caso palmeirense, o fundo tem como único cotista Paulo Nobre. Sua remuneração será feita pelo CDI, que gira entre 11% e 12% nos últimos anos. Do outro lado, quem cede seus direitos é o devedor: o Palmeiras.

"A remuneração dentro do CDI está dentro dos padrões de mercado. Alguns usam índice de inflação, outros o CDI", explicou o advogado Carlos Lobo, do escritório Veirano Advogados, que atua na área. O CDI é um índice mais baixo do que o captado por clubes em bancos, isto é, foi uma ajuda do dirigente ao Palmeiras. A questão é o poder cedido a Nobre por isso.

Primeiro, os contratos do Palmeiras com a Globo e a Horizonte, empresa do grupo da emissora, serão alienados fiduciariamente para o fundo. Ou seja, caso exista qualquer problema de pagamento, o fundo de Nobre pode ficar com eles: tem que cobrir todo o valor.

Mesmo se os pagamentos forem feitos regularmente, o dirigente mantém controle sobre os acordos: todos os contratos e seus aditivos têm que ser entregues ao fundo do dirigente, há o direito de exigir esclarecimento em cinco dias sobre quaisquer pontos, e o Palmeiras se obriga a assinar qualquer documento para garantir que o fundo receba os pagamentos.

Essas regras valem até 2030, prazo para encerramento do fundo e para quitação das dívidas com Nobre. Desta forma, o dirigente mantém o poder sobre esses acordos além de seu mandato que acaba em 2017. E isso valerá para futuros contratos do clube com a Globo que venham a ser assinados após 2018 já que é deles que sairão os créditos para pagá-lo.

"Não tenho influência nenhuma nas próximas gestões", disse Nobre sobre o fundo em entrevista ao Sportv. "Esse fundo não tem influência nenhuma, nenhuma, nenhuma na política do clube. O Paulo Nobre deixando de ser presidente não tem influência nenhuma pelo fato de ter emprestado dinheiro no passado."

Por conta da natureza do contrato com a emissora, o fundo tem ressalvas quanto ao desempenho desportivo do devedor, isto é, o Palmeiras. Explica-se: o acordo com a Globo prevê queda de receita em caso de dois anos na Série B.

Fundo prevê que pode ser liquidado com resgate das cotas caso Palmeiras fique na Série B

Fundo prevê que pode ser liquidado com resgate das cotas caso Palmeiras fique na Série B

Assim, o fundo prevê, entre os eventos que podem causar a sua liquidação, o rebaixamento do Palmeiras à Segundona e a permanência por lá por duas temporadas, seja no caso do Brasileiro ou do Paulista. Isso está expresso na cláusula 17 do regulamento. Nesta hipótese, os administradores decidem se liquidam ou não o fundo. Na prática, Nobre é quem decidirá.

E como isso afeta o clube? Caso o fundo seja liquidado, o cotista tem direito a resgatar todo as cotas (dinheiro). Caso não exista caixa disponível, ele fica com os direitos creditórios (pagamentos de cotas de tv), e passam a valer contratos e garantias anteriormente assinados. Assim, todo o acordo de parcelamento pelo Fidic cai.

Há tanta preocupação do fundo de Nobre com a questão do desempenho esportivo que o regulamento tem cláusulas sobre isso. "Caso o Devedor (Palmeiras) não passe mais a disputar o Brasileiro ou Paulista, conforme o caso, na Série A, mantendo-se em série inferior por mais de uma temporada, determinados contratos celebrados pelo devedor poderão ter sua remuneração diminuída."

O blog enviou questionamentos sobre o funcionamento do fundo à assessoria do Palmeiras. Por meio da assessoria, o clube enviou uma nota (publicada abaixo). Não respondeu sobre os poderes de Nobre sobre o contrato da Globo, nem sobre a possibilidade de mudança no acordo em caso de rebaixamento do time. Explicou a operação.

Nota do Palmeiras: 

O Conselho Deliberativo do Palmeiras aprovou o plano de refinanciamento de dívida que resultará em uma economia estimada de R$ 320 milhões aos cofres alviverdes.

Com mais de 90% de votos favoráveis, o CD definiu como se dará a devolução do aporte efetuado pelo presidente Paulo Nobre ao clube. A operação deve ser concluída em aproximadamente 15 anos, com correção feita apenas pelo CDI (Certificado de Depósito Interbancário). Esse tempo poderá ser maior ou menor dependendo de duas variáveis: receitas auferidas pela S.E.P. e taxa Selic.

Em gestões anteriores, empréstimos realizados em bancos chegavam a patamares compreendidos entre 200% e 300% do CDI e os prazos eram muito mais curtos. No modelo aprovado, o custo da dívida será apenas o da correção do capital, com um período longo e elástico para a quitação.

O objetivo principal foi possibilitar a continuidade das atividades no clube, visto que só havia 25% do orçamento disponível para utilização em 2013.

No intuito de evitar a repetição da prática de utilizar verbas futuras, a diretoria buscou uma forma de garantir que as próximas gestões tivessem condições financeiras de fazer o Palmeiras crescer. Com o modelo adotado, não houve adiantamento de nenhuma cota e a preservação de 90% dos recursos previstos para 2015.

O plano inicial para aporte ao caixa alviverde era a constituição de um FIDC (Fundo de Investimento em Direitos Creditórios) com captação de recursos no mercado, e que teria como garantia todos os contratos de direitos de televisão.

Com ações judiciais que impediram a utilização dessa estrutura, a única solução que não imputaria ao Palmeiras uma dívida impagável foi a obtenção de recursos junto ao mandatário alviverde.

O clube começou a pagar neste mês de maio o montante de R$ 103,4 milhões. Essa carência de quatro meses existiu por conta de antecipações de receitas, feitas em 2010, de cinco edições do Campeonato Paulista.

De acordo com o modelo aprovado no Conselho, somente 10% das receitas anuais do Palmeiras (fluxo de caixa) serão utilizadas para amortização da dívida.

 

Sobre o Autor

Nascido no Rio de Janeiro, em 1977, Rodrigo Mattos estudou jornalismo na UFRJ e Iniciou a carreira na sucursal carioca de “O Estado de S. Paulo” em 1999, já como repórter de Esporte. De lá, foi em 2001 para o diário Lance!, onde atuou como repórter e editor da coluna De Prima. Mudou-se para São Paulo para trabalhar na Folha de S. Paulo, de 2005 a 2012, ano em que se transferiu para o UOL. Juntamente com equipe da Folha, ganhou o Grande Prêmio Esso de Jornalismo 2012 e o Prêmio Embratel de Reportagem Esportiva 2012. Cobriu quatro Copas do Mundo e duas Olimpíadas.

Sobre o Blog

O objetivo desse blog é buscar informações exclusivas sobre clubes de futebol, Copa do Mundo e Olimpíada. Assim, pretende-se traçar um painel para além da história oficial de como é dirigido o esporte no Brasil e no mundo. Também se procurará trazer a esse espaço um olhar peculiar sobre personagens esportivas nacionais.