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Rodrigo Mattos

Lochte aproveitou-se do preconceito contra o Rio para mentir

rodrigomattos

19/08/2016 06h00

Sejamos sinceros,  o Rio de Janeiro atravessa um momento bastante difícil em relação à violência urbana. Diante disso, não seria chocante que um atleta olímpico fosse assaltado na cidade e tivesse a vida posta em risco. Foi exatamente por isso que o nadador norte-americano Ryan Lochte e seus colegas aproveitaram para inventar uma história e encobrir a fanfarra que fizeram na noite carioca.

Primeiro, Lochte deu uma entrevista dizendo que botaram a arma para sua testa e levaram seu dinheiro. Depois, disse que lhe apontaram o revólver, mas não diretamente na testa. Está claro que ele, o mais experiente, deu as cartas no tom da história de todos os nadadores.

Feitas essas declarações, todos nós jornalistas acreditamos nele. Afinal, era um campeão olímpico dizendo que fora assaltado. Por que mentiria?

Alguns poucos veículos norte-americanos aproveitaram para achincalhar o Rio de Janeiro quando surgiram dúvidas sobre o caso – a maioria agiu de forma responsável, diga-se. Em um texto lamentável, a colunista Nancy Amour, do USA Today, disse que o nadador acertou ao sair do Brasil e que a polícia brasileira não era confiável. Outros jornais falaram em cidade com praga de violência – o que é verdade – para ilustrar artigos dando razão aos nadadores.

Ao "New York Times", o advogado de Lochte, Jeff Ostrow, relacionou o caso a uma "nuvem negra" sobre o Brasil, por razões como economia mal, crime e erros na gestão da Olimpíada. Como se falhar na organização dos Jogos e estar sem dinheiro dessem a certeza de que a versão de seu cliente era verdadeira.

Tudo começou a cair por terra com o vídeo que mostra Lochte em típica atitude de playboy bêbado que faz arruaça porque não sabe se controlar. Aquele que apontou uma arma contra ele, na verdade, era um segurança tentando contê-lo após as estripulias.

Confrontados, os nadadores, menos Lochte, admitiram à polícia que não houve assalto, e sim o vandalismo seguido de cobrança armada por reparação. Fica claro que não contavam que o caso sequer fosse investigado, tanto que não tinham prestado queixa. Entendiam que em uma cidade tomada por violência um assalto nem seria investigado. Apostaram no preconceito contra o Rio e o Brasil.

Em atitude correta, o Comitê Olímpico dos EUA reconheceu o erro deles e pediu desculpas pela atitude de seus atletas. Ressalte-se que o comitê não teve culpa no episódio: alertara para que seus atletas respeitassem o país, e acreditou em Lochte porque era seu atleta.

Dito isso, é correto que os nadadores sejam liberados. Não cometeram crime grave: a falsa denúncia é no máximo punível com cestas básicas do Brasil. E assim deve ser. Não há porque prende-los no país após a situação esclarecida.

O que fica de lição é que não se deve tirar conclusões baseadas em preconceitos. Sim, a polícia brasileira tem vários problemas, mas agiu corretamente no caso. Sim, o Rio é violento, mas quem criou confusão naquela noite foram os nadadores norte-americanos. Sim, Lochte tem seis medalhas de ouro, mas isso não significa que tenha caráter.

Como se diz no Rio: "Perdeu playboy, é hora de se desculpar".

PS: Lochte pediu desculpas ao Brasil em uma comunicado nesta sexta-feira. Não admitiu a mentira: apenas falou que deveria ter tido mais cuidado ao descrever os fatos. E continua a posar de vítima por ter uma arma apontada para si. O comunicado mais parece escrito por um relações públicas para agradar patrocinadores, nada a ver com demonstração de arrependimento.

Sobre o Autor

Nascido no Rio de Janeiro, em 1977, Rodrigo Mattos estudou jornalismo na UFRJ e Iniciou a carreira na sucursal carioca de “O Estado de S. Paulo” em 1999, já como repórter de Esporte. De lá, foi em 2001 para o diário Lance!, onde atuou como repórter e editor da coluna De Prima. Mudou-se para São Paulo para trabalhar na Folha de S. Paulo, de 2005 a 2012, ano em que se transferiu para o UOL. Juntamente com equipe da Folha, ganhou o Grande Prêmio Esso de Jornalismo 2012 e o Prêmio Embratel de Reportagem Esportiva 2012. Cobriu quatro Copas do Mundo e duas Olimpíadas.

Sobre o Blog

O objetivo desse blog é buscar informações exclusivas sobre clubes de futebol, Copa do Mundo e Olimpíada. Assim, pretende-se traçar um painel para além da história oficial de como é dirigido o esporte no Brasil e no mundo. Também se procurará trazer a esse espaço um olhar peculiar sobre personagens esportivas nacionais.