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Rodrigo Mattos

Como as degolas de técnicos explicam o futebol brasileiro

rodrigomattos

23/07/2017 04h00

Ao final da 15a rodada, o Brasileiro completou 10 demissões de técnicos e um total de 13 trocas de comando no banco nos times da Série A. Assim, mantém-se o padrão da liga de elite que mais altera a direção do time no mundo. Quais são as causas e consequências desse padrão?

Primeiro, os números. Estudo da UEFA na temporada de 2014/2015 mostra que o Brasileiro teve troca de técnico em 90% dos times. Índice similar a esses só em países como Costa Rica ou Argélia. Na Europa, só na Turquia ou Romênia entre as ligas de alguma relevância. Na elite, o patamar não passa de 65% na Itália, sendo de 40% na Inglaterra.

Vamos então tentar buscar as causas. Obviamente, não se pode justificar as constantes trocas apenas por pressão de torcida que também ocorre em outros países com times tradicionais. Então, poderia se apelar para a falta de planejamento dos dirigentes brasileiros que não programam sua temporada.

É fato que isso ocorre no Brasil onde os cartolas escolhem treinadores sem exame detalhado de suas características, sem pensar o elenco de acordo com ele, sem analisar seu encaixe com a cultura do clube. Mais do que isso, há uma cultura imediatista que não enxerga a longo prazo. Futebol é resultado, sim, mas quando? É realista exigir resultado 15 dias após ele assumir?

Em seguida, há um fator que é preponderante no carrossel de técnicos: o calendário brasileiro. Superpovoado de jogos, com uma pré-temporada mínima, ele dá pouquíssimo tempo ao treinador para dar uma cara ao time. Pode ser que um técnico tenha ideias boas ou ruins, mas em geral elas sequer são postas em prática. Uma parte das demissões deve se justificar, outras, não. Mas é difícil saber em meio ao caos.

Quando ocorre uma troca de técnico, o sucessor tem ainda menos tempo para implantar qualquer modelo de jogo. Após a demissão rotineira de segunda-feira, ele assume na terça para dirigir o time no dia seguinte. Quando tem um tempo extra, ganha três treinos de quinta a sábado por entrar na equipe mais tarde. E assim vai até o final do ano.

E quais as consequências? Não há uma filosofia, uma cara para um time, na maioria dos clubes nacionais. O Brasileiro, por exemplo, mostra um Corinthians e um Grêmio como equipes que você sabe o que esperar delas em campo. O Flamengo foi assim em determinado momento e parece ter se perdido. Mas, mesmo nesses, o que surge está longe de ser um grande time: é, no máximo, eficiente, bom. Não é ótimo.

O colunista do Globo Carlos Eduardo Mansur apontou em um texto recente que a maioria dos times opta pelo jogo de reação, de dar a bola e se posicionar para contra-atacar. Sua observação precisa é que isso ocorre porque não há tempo de fazer outra coisa: fechar-se e aproveitar brechas é muito mais fácil do dominar a bola e o adversário.

Verdade seja dita que os técnicos brasileiros reduziram o rombo que tinham com os estrangeiros. Seu jogo de se posicionar é similar a de certos campeonatos europeus. Mas não há um que consiga montar um jogo de ter a bola e vencer esmagando o adversário. E são esses os grandes times da história, o Barcelona de Guardiola, o Palmeiras de Luxemburgo, o São Paulo de Telê, o Flamengo de Coutinho, o Santos de Lula.

Sem um calendário decente, a evolução tática no Brasil é manca, só para um lado. Aprimora-se o jogo defensivo e relega-se o ofensivo ao contra-taque, ou a bola aérea. E isso hoje é menos culpa dos técnicos, e mais dos cartolas.

O carrossel de técnico não é só por resultado e pressão. É fruto de um ciclo vicioso que começa com uma escolha de técnico baseada em critérios não-racionais, pouco tempo para o time ser montado, excesso de campeonatos que "têm de ser vencidos", objetivos irrealistas na temporada, uma janela de transferências destruidora no meio da temporada, desgaste excessivo dos atletas. Até que a exaustão limite a quase nulidade a possibilidade de surgir um grande time, apenas dá chance a que um deles… sobreviva.

Ao final, o futebol brasileiro é um esporte de sobreviventes em uma seca de ideias.

Sobre o Autor

Nascido no Rio de Janeiro, em 1977, Rodrigo Mattos estudou jornalismo na UFRJ e Iniciou a carreira na sucursal carioca de “O Estado de S. Paulo” em 1999, já como repórter de Esporte. De lá, foi em 2001 para o diário Lance!, onde atuou como repórter e editor da coluna De Prima. Mudou-se para São Paulo para trabalhar na Folha de S. Paulo, de 2005 a 2012, ano em que se transferiu para o UOL. Juntamente com equipe da Folha, ganhou o Grande Prêmio Esso de Jornalismo 2012 e o Prêmio Embratel de Reportagem Esportiva 2012. Cobriu quatro Copas do Mundo e duas Olimpíadas.

Sobre o Blog

O objetivo desse blog é buscar informações exclusivas sobre clubes de futebol, Copa do Mundo e Olimpíada. Assim, pretende-se traçar um painel para além da história oficial de como é dirigido o esporte no Brasil e no mundo. Também se procurará trazer a esse espaço um olhar peculiar sobre personagens esportivas nacionais.