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Rodrigo Mattos

Bolsonaro já foi capitão, mas não do Palmeiras

rodrigomattos

03/12/2018 04h00

Eduardo Carmim/Photo Premium/Folhapress

Palmeirense, o presidente eleito Jair Bolsonaro foi ao Allianz Parque para assistir ao último jogo de seu time no Brasileiro, diante do Vitória, a convite da diretoria do clube. Ao final da partida, a CBF o convidou para a cerimônia de premiação e ele desceu para entregar a taça com a camisa do time. Acabou levantando o troféu, posando para fotos e festejando com os jogadores.

Organizadora do Brasileiro, a CBF escolheu uma foto para ilustrar a premiação do título palmeirense em seu site: Felipe Melo, Felipão e Jair Bolsonaro seguram o troféu de campeão ao centro, cercados por outros jogadores e membros da comissão do clube. Em outras imagens, o presidente eleito aparece erguendo a taça só, com atletas em volta.

Não é incomum que presidentes da República frequentem estádios de futebol. Boa parte deles gosta do esporte e a aproximação com times atrai popularidade. O próprio Bolsonaro já foi a partidas com camisas de outros times, a maioria deles carioca.

Há uma diferença, no entanto, entre estar em um camarote a convite do clube e ir para o gramado entregar taças e participar da festa. Bolsonaro não fez gol, nem defesas, não armou sistemas táticos ou preparou atletas fisicamente, enfim, não participou da campanha vitoriosa palmeirense.

Imagine uma cena: o presidente eleito vai tomar posse e o Felipe Melo pega a faixa presidencial e sai festejando na rampa do palácio. Ou um medalhista olímpico vai subir ao pódio e o chefe de estado do seu país vai junto para tirar uma selfie. A cada um que seja dado o título que lhe foi merecido.

Não por acaso há um liturgia na Copa do Mundo que para tocar a taça é preciso ganha-la. Chefes de Estado, o que será o caso de Bolsonaro a partir de janeiro, podem encostar no troféu apenas o tempo suficiente para repassa-los aos jogadores campeões. Não há na Copa casos de presidentes que tenham saído pulando com o troféu em meio a jogadores.

Houve, sim, um chefe de Estado que misturava futebol e seu time com seu cargo político. Era o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Recebeu o Corinthians no Palácio do Planalto, ganhou uma faixa e taça de campeão. Mais tarde, fazia visitas para ver a construção da Arena Corinthians. Depois, soube-se por delações da Odebrecht que Lula tinha influenciado a empreiteira para participar do projeto do estádio.

Lula, que pregava a fiscalização de cartolas antes de ser presidente, tornou-se aliado do ex-presidente da CBF Ricardo Teixeira quando os dois organizaram um jogo beneficente da seleção no Haiti. Em todo o governo de Lula, não houve uma investigação séria da confederação feita pela Polícia Federal ou com apoio do governo.

Se a boa relação contou, não se sabe. Fato é que todas as tentativas do Ministério Público Federal de investigar o cartola foram para gaveta. Também não houve apuração no Congresso sobre a CBF no período Lula. Quando o Departamento de Estado dos EUA indiciou três ex-presidentes da confederação, o então ministro da Justiça José Eduardo Cardozo se revelou surpreso. No governo anterior, de Fernando Henrique Cardoso, Teixeira quase caiu com uma CPI do Senado.

Para a CBF, é sempre interessante se aproximar de presidentes eleitos. Seus últimos três presidentes foram afastados por corrupção, um deles está preso. Ao lado de Bolsonaro no palco de festa, estava o futuro presidente da CBF, Rogério Caboclo, cuja eleição é questionada na Justiça por uma manobra para tirar poder dos clubes. A discussão na Justiça é se a mudança no estatuto desrespeitou a lei.

Bolsonaro nada disse em seu programa de governo sobre o esporte. Foi eleito com um discurso de erradicar a corrupção no país. Qual será a sua visão sobre a CBF e a forma como gere o futebol brasileiro? Será que, ao aceitar esse convite, o presidente eleito sinaliza que pretende se aproximar da entidade?

É cedo para responder essas perguntas. A única certeza que fica deste domingo é que, na regra não escrita do futebol, só deveria levantar a taça quem se esforçou para ganha-la. Bolsonaro já foi capitão, mas não do Palmeiras.

Sobre o Autor

Nascido no Rio de Janeiro, em 1977, Rodrigo Mattos estudou jornalismo na UFRJ e Iniciou a carreira na sucursal carioca de “O Estado de S. Paulo” em 1999, já como repórter de Esporte. De lá, foi em 2001 para o diário Lance!, onde atuou como repórter e editor da coluna De Prima. Mudou-se para São Paulo para trabalhar na Folha de S. Paulo, de 2005 a 2012, ano em que se transferiu para o UOL. Juntamente com equipe da Folha, ganhou o Grande Prêmio Esso de Jornalismo 2012 e o Prêmio Embratel de Reportagem Esportiva 2012. Cobriu quatro Copas do Mundo e duas Olimpíadas.

Sobre o Blog

O objetivo desse blog é buscar informações exclusivas sobre clubes de futebol, Copa do Mundo e Olimpíada. Assim, pretende-se traçar um painel para além da história oficial de como é dirigido o esporte no Brasil e no mundo. Também se procurará trazer a esse espaço um olhar peculiar sobre personagens esportivas nacionais.