Topo

Rodrigo Mattos

Bandeira diz que gestão tirou Fla do caos, mas admite insatisfação por taça

rodrigomattos

07/12/2018 04h00

Após seis anos como presidente, Eduardo Bandeira de Mello deixa o comando do Flamengo em 2019. No saldo da sua gestão, houve uma recuperação econômica que reduziu a dívida do clube de R$ 750 milhões para um valor pouco acima de R$ 300 milhões ao final de 2018, além de melhorias patrimoniais como dois CTs. Em contraponto, uma escassez de títulos que levou apenas à conquista da Copa do Brasil em 2013 como conquista relevante.

A eleição que vai eleger seu sucessor ocorre neste sábado e tem como principais candidatos Ricardo Lomba, da situação, e Rodolfo Landim, da oposição. O primeiro defende feitos da atual gestão, embora pregue mudanças na gestão do futebol. O segundo critica falta de cobranças e resultados do time, colocando a ausência de títulos na conta de Bandeira.

Em entrevista ao blog, o próprio presidente rubro-negro faz sua avaliação: vê a recuperação financeira como principal mérito e reconhece insatisfação pela falta de títulos. Admite erros em confrontos com torcedores, mas rechaça que tenha faltado cobrança ao time. Aponta que a próxima gestão terá de decidir a futura casa entre o estádio próprio a ser construído em terreno na Barra da Tijuca (para o qual há opção de compra) ou assumir a concessão do Maracanã.

UOL – Qual o balanço que faz de sua gestão?
Bandeira – De maneira geral, saio de consciência tranquila de que fiz o melhor que pude. Flamengo evoluiu nestes seis anos, financeiramente nem se fala. Pegamos o Flamengo em situação caótica. Passivo era ético e moral. Isso conseguiu ser revertido e hoje o Flamengo é transparente. Nosso faturamento foi multiplicado, patrimônio líquido será positivo pela primeira vez na história. Pode ser auditado pelas "Big Four" (empresas de auditoria). Em termos gerenciais, Flamengo está em situação invejável o que é impensável há seis anos. Revolução jurídica deixou para trás 600 ações trabalhistas, acabaram penhoras. Neste particular, Flamengo evoluiu bem. Falando de futebol, Flamengo voltou a ter condições de atuar no mercado graças à solidez no mercado, a gente pode investir e trazer jogador que não podia. (Fizemos) Trabalho de base que apesar de ser de longo prazo, já formamos jogadores. Construímos dois CTs, por conta disso, nossa base vai ter o melhor centro de base. Ou seja, o clube evoluiu muito. Pergunta: estou satisfeito? Não, porque gostaríamos de ter resultados expressivos no futebol. Tenho certeza de que é uma questão de tempo. Porque futebol não é ciência exata. Você sabe o que te leva a melhorar e o que melhorou. Antes, estava satisfeito por não cair à 2ª divisão. Agora, fica insatisfeito com melhor campanha da história (nos pontos corridos). Quando eu estava na arquibancada, eu gritava "Libertadores, qualquer dia estamos aí". Agora não grita porque sempre está. Temos que continuar nesta rota e vamos ser campeões.

UOL – Por que esse trabalho não se transformou em título? Houve falhas? O que faltou?
Bandeira – Acho que é uma questão de tempo. É natural. Já se vê a melhoria de desempenho. Hoje (Brasileiro-2018) podia ser campeão com essa pontuação. Tivemos uma série de problemas, arbitragem, gols perdidos. Se o Flamengo fosse campeão, não teria sido injusto. Não dá para a gente garantir. Palmeiras tem um padrinho, ou melhor uma madrinha, que garante o provimento de recursos ilimitados. Flamengo tem que gerar recursos com o seu próprio negócio. Não diria que não deu certo.

UOL – Há uma crítica constante de que faltou cobrança no futebol. Faltou cobrança por melhores resultados?
Bandeira – Não falta cobrança. Discordo disso. Existe entre jogadores, da diretoria com os profissionais, dos profissionais com jogadores. O que não existe é humilhação, achincalhe. Algumas pessoas gostariam que expusesse jogadores e desse bronca pela imprensa, fizesse um discurso de esporro coletivo para todo mundo ouvir. Não se expõe jogadores. Eu não admito humilhação de jogador do Flamengo. Por isso algumas pessoas mal intencionadas falam que são queridinhos do presidente. Não existe desrespeito, mas cobrança tem.

UOL – Em determinados momentos, o senhor teve reações destemperadas com torcedores, fez gestos. O senhor entende que foi correto?
Bandeira – Não é com a torcida, é com determinados torcedores. Se botar todos os episódios, são no máximo uns dez. Teve um de Florianópolis, Campinas, agora esse que eram seis na Gávea. Teve um no último momento do Atlético-PR que inventou que foi agredido por segurança e não foi. Não foram tantos. Várias vezes fui agredido verbalmente, quase agredido fisicamente em aeroporto. Sou de carne e osso, não sou sangue de barata. Não sou um lorde. Se você me perguntar se eu repetiria? Não repetiria porque não adianta nada. Mas foi a reação natural.

UOL  – Há uma discussão sobre quem é responsável pela recuperação financeira do Flamengo. No grupo original, havia pessoas da oposição e da atual situação…
Bandeira – Ficaram 2013 e 2014 (oposição). Dois anos e alguns meses. (Diz que a exceção foi Claudio Pracowinick com quem diz não ter nenhuma desavença). E não é verdade que eu não cumpri acordo porque o Landim falou para eu ser candidato à reeleição. Quando o (Luiz Eduardo) Bap saiu em 2015, fizeram um grupo, os quatro mudaram de ideia e faltava um mês de meio para inscrição da chapa. Não fazia sentido ali o grupo já estava montado. Me parece óbvio (quem foi responsável pela recuperação) se este grupo no final do mandato dizia que não tínhamos condições de conseguir patrocínios, nossas projeções não faziam sentido. Conseguimos tudo que propusemos, e mais do que isso. Vi entrevista do Landim dizendo que participou da renegociação de dívida do Flamengo. Nunca houve renegociação. Nosso diretor escalonou a dívida. O Profut que foi tocado por mim. Não porque eu seja o "pica das galáxias", mas porque o presidente do clube que tem que negociar. Não por que é o Eduardo, foi o Flamengo e eu era o representante. Dívida vencida, impagável, trocou por Refis, de um dia para outrO, reduziu em R$ 100 milhões e foi escalonado em 20 anos. Dívida bancária: pagamos. Vai ficar em R$ 26 milhões no final de 2019.

UOL – Qual a redução da dívida ao final de 2018?
Bandeira – Levantamos com Ernest & Young R$ 750 milhões quando apuramos a dívida (quando assumiu). Com outros esqueletos, chegava a R$ 800 milhões. Hoje, está em R$ 300 milhões e poucos, sendo  R$ 240 milhões com o governo. A grande questão nas eleições anteriores era de dívida. Agora estamos no período eleitoral e não se fala de dívida. Isso foi fruto de vontade política.

UOL – Voltando ao futebol, a diretoria não trocou excessivamente de técnicos?
Bandeira – Se pudesse voltar atrás, teria de fazer diferente. Não é um problema do Flamengo. É um problema do futebol brasileiro. Infelizmente, tem essa cultura que não é exclusiva do dirigente. Se perder três partidas, terá um repórter perguntando se ele está confirmado. É uma cultura que todo mundo faz parte.

UOL – Mas não foi fruto de escolhas ruins de técnicos da diretoria?
Bandeira – Nenhum treinador que chegou tinha avaliação negativa. Alguns não performaram tão bem quanto antes. Não era o problema do técnico.

UOL – O senhor acaba o mandato sem ter resolvido a questão do estádio: se o Flamengo vai optar pelo Maracanã ou estádio próprio? Por que esta questão não está encaminhada?
Bandeira – Em 2012, ninguém imaginava que Flamengo poderia resolver isso e administrar o Maracanã. Um clube como Flamengo nunca teria condições de participar da licitação. Foram impedidos porque não tinham capacidade de administração. Maracanã não sobrevive sem o Flamengo. Se não puder ter a solução sobre o Maracanã, vai partir para a solução própria. Por isso, o clube assinou uma opção de compra de terreno que temos 10 meses (em terreno na Barra da Tijuca, atrás do Via Parque). Temos como avaliar a viabilidade. Se entendermos que é interessante, temos condições de comprar o estádio. Em 10 meses é o tempo para resolver a situação do Maracanã. Se entender que é o melhor o Maracanã, parte para essa solução.

UOL – Mas a informação que tenho é de que esse terreno tem um valor bem superior à primeira opção na Avenida Brasil. O clube tem como arcar?
Bandeira – Não posso confirmar o valor. É um valor consideravelmente maior (do que o da Av. Brasil). Em compensação, a área é mais valorizada. Principal problema da Avenida Brasil era a alça (viária que será feita pelo governo do Estado e atrapalha o terreno). Houve a questão da violência também. Para mim, o que atrapalhou foi a alça. Segurança podíamos resolver. Decidimos não seguir em frente. Flamengo tem condições de comprar o terreno (da Barra). A situação do clube permite postular um financiamento de longo prazo. Pode agregar parceiros que possam participar, pode vender cadeiras perpétuas, naming rights. Localização na Barra melhora muito esses aspectos.

UOL – Qual foi o legado dessa administração e no que falhou?
Bandeira – Não sou eu. Todas vezes que falo que é sobre trabalho da diretoria. Sou parte da equipe. Existe muita gente comigo aqui. Não só como os vices-presidentes. Nosso mérito foi a profissionalização do clube. É minha insatisfação como torcedor, que é como torcedor.

UOL – A partir do momento que teve recursos, o Flamengo contratou jogadores e alguns deles não deram certo apesar do alto investimento. O sistema de contratações do clube funciona?
Bandeira – Isso você vê em qualquer clube. Em todas as contrações, nem todas vão ter o mesmo grau acerto. Será inerente à atividade. Há a questão de adaptação que tem no Brasil. Tem jogadores que se adaptam melhor do que outros. Há investimentos que são acertados, e outros não. Estamos trabalhando para minimizar essa incerteza. A gente está procurando otimizar cada vez mais. Trouxemos um especialista que trabalha com o Manchester City, Sandro Orlandelli. Procura minimizar os possíveis erros. Mas acabar não tem como.

UOL – O que você fará da vida após o mandato? Pretende trabalhar no futebol?
Bandeira – Não é conveniente um ex-presidente ficar dando palpite porque não vale a pena ter sombra. Estou avaliando algumas possibilidades. Vou fazer algumas coisas como exame médico, cuidar da família. Se não vou trabalhar no Flamengo, não vai ser em outro clube. Sempre fui crítico de entidade então não faz sentido. Vou continuar estudando. Vou conversar com vocês na área acadêmica (de futebol). Quero ter tranquilidade para avaliar com calma. Não preciso ter urgência. Talvez possa trabalhar com consultoria no futuro aproveitando a experiência em assuntos que lidei no BNDES.

UOL – E na vida política do clube?
Bandeira – Sou conselheiro do clube, mas não pretendo ficar assim com aquele protagonismo de quem quer derrubar o presidente ou aparecer para futura eleição. Cumpri meu ciclo. Dei minha contribuição. Vou continuar sócio-torcedor, anjo da guarda. E ajudar no que for demandado. Vivi seis anos de forma intensa o clube.

Sobre o Autor

Nascido no Rio de Janeiro, em 1977, Rodrigo Mattos estudou jornalismo na UFRJ e Iniciou a carreira na sucursal carioca de “O Estado de S. Paulo” em 1999, já como repórter de Esporte. De lá, foi em 2001 para o diário Lance!, onde atuou como repórter e editor da coluna De Prima. Mudou-se para São Paulo para trabalhar na Folha de S. Paulo, de 2005 a 2012, ano em que se transferiu para o UOL. Juntamente com equipe da Folha, ganhou o Grande Prêmio Esso de Jornalismo 2012 e o Prêmio Embratel de Reportagem Esportiva 2012. Cobriu quatro Copas do Mundo e duas Olimpíadas.

Sobre o Blog

O objetivo desse blog é buscar informações exclusivas sobre clubes de futebol, Copa do Mundo e Olimpíada. Assim, pretende-se traçar um painel para além da história oficial de como é dirigido o esporte no Brasil e no mundo. Também se procurará trazer a esse espaço um olhar peculiar sobre personagens esportivas nacionais.