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Rodrigo Mattos

Como Eurico Miranda explica o futebol brasileiro

rodrigomattos

12/03/2019 15h46

Morto nesta terça-feira, após anos resistindo a mais de um câncer, o ex-presidente do Vasco Eurico Miranda foi o dirigente de clube mais influente do futebol brasileiro nos últimos 30 anos. Sua trajetória explica a história (e muitas vezes a falta de evolução) do futebol brasileiro neste período crucial.

Na década de 80, Eurico era o vice-presidente de futebol vascaíno da gestão de Antônio Soares Calçada, mas assumia o protagonismo na representação vascaína. Foi a partir deste cargo que começou a revelar sua faceta como cartola: um conhecimento acima dos outros das leis e regras, nenhum escrúpulo em quebrar essas mesmas regras se fosse necessário e uma mistura dos interesses do clube com os seus próprios.

Foi assim que se meteu na disputa em torno do Clube dos 13 e do Campeonato Brasileiro de 1987. Um encontro dos maiores clubes brasileiros tinha determinado que seria disputado um campeonato de 16 times, independente da CBF que estava falida. A confederação queria impor um cruzamento, e nenhum dos grandes aceitou. Eurico foi o representante dos clubes em reunião com a entidade quando desrespeitou o acordo, e aceitou o que a confederação dizia.

Além de gerar uma discussão eterna sobre o título de 87, sua atitude ajudou a enfraquecer uma união de clubes que poderia ter se tornado a primeira liga brasileira. Em vez disso, fortaleceu o poder da CBF. Posteriormente, ainda no final da década de 80, tornou-se diretor de seleções da confederação após se aproximar do novo presidente Ricardo Teixeira.

A partir daí, Eurico tornou-se influente em quase todas as decisões sobre o futebol brasileiro. Em um período, diga-se marcado por viradas de mesa no Brasileiro. A Copa João Havelange, que resgatou o Fluminense da Série B, tinha Eurico em seu centro articulador.

Também foi o dirigente que mais claramente misturou política com o futebol quando foi deputado por dois mandatos. Em Brasília, era o ícone da bancada da bola para impedir investigações ou legislações que apertassem os cartolas brasileiros.

Não era à toa. Quando uma das CPIs conseguiu furar o bloqueio, no caso a do Senado, a devassa no Vasco revelou um clube em que um suposto laranja era operador de dinheiro do clube e pagava contas pessoais da família de Eurico. O dirigente chegou a ser processado, condenado por crime tributário, mas conseguiu barrar ações com recursos.

Para se ter uma ideia de como o dirigente tinha ojeriza a expor as contas do clube, conto aqui uma história de uma matéria que fiz sobre o contrato entre Vasco e Bank of America, no "Estado de S. Paulo", lá pelo ano de 2000. Ao obter o documento, no órgão regulador CVM, liguei para Eurico para repercutir o fato de que o contrato dava ao banco poder para impor a venda de jogadores vascaínos. Resposta dele: "Vai investigar a Petrobras, o Vasco não é público."

Outra faceta foram as contratações milionárias de Edmundo e Romário em um período em que o Vasco se tornou forte e vencedor. A conta era alta e não seria paga, como se tornou um hábito no futebol brasileiro. Um dirigente vencedor convencia os torcedores de que era positivo para o Vasco, mas o legado futuro mostrou o quanto isso foi danoso ao clube, ainda atualmente batalhando contra pendências criadas pelo dirigente. Não faltaram títulos nas primeiras gestões de Eurico e foi daí que veio seu posterior depois.

Quando se tornou claro o dano ao Vasco com suas gestões, Eurico perdeu poder com a chegada de Roberto Dinamite. Mas sua imagem era tão forte no imaginário dos vascaínos que ele voltou tal qual o Rei Sebastião depois que o maior ídolo em campo do clube fracassou ao presidir o alvinegro da Colina.

Era um outro futebol brasileiro. Para além da influência de Eurico, a gestão empresarial tornou-se uma necessidade em um negócio milionário. A última presidência dele no Vasco é um retrato disso: foi rebaixado e deixou o clube ainda pior do que encontrou. Perdeu a eleição marcada por acusações de manipulações supostamente executadas por seu grupo de apoio. Mas sustentou-se em um poder paralelo no Conselho graças às velhas regras estatutárias do Vasco.

Em 2008, quando eu ainda trabalhava na Folha de S. Paulo, o jornal decidiu fazer uma matéria que seria uma espécie de resumo do que fora Eurico Miranda para o futebol já que se acreditava que ele não voltaria ao poder. Após ouvir desafetos e aliados, liguei para ele para entrevista-lo. Educado, Eurico disse que não queria falar. Argumentei que seria incompleto um artigo sem ouvi-lo. Ele concluiu: "Escreva o que você quiser."

Sobre o Autor

Nascido no Rio de Janeiro, em 1977, Rodrigo Mattos estudou jornalismo na UFRJ e Iniciou a carreira na sucursal carioca de “O Estado de S. Paulo” em 1999, já como repórter de Esporte. De lá, foi em 2001 para o diário Lance!, onde atuou como repórter e editor da coluna De Prima. Mudou-se para São Paulo para trabalhar na Folha de S. Paulo, de 2005 a 2012, ano em que se transferiu para o UOL. Juntamente com equipe da Folha, ganhou o Grande Prêmio Esso de Jornalismo 2012 e o Prêmio Embratel de Reportagem Esportiva 2012. Cobriu quatro Copas do Mundo e duas Olimpíadas.

Sobre o Blog

O objetivo desse blog é buscar informações exclusivas sobre clubes de futebol, Copa do Mundo e Olimpíada. Assim, pretende-se traçar um painel para além da história oficial de como é dirigido o esporte no Brasil e no mundo. Também se procurará trazer a esse espaço um olhar peculiar sobre personagens esportivas nacionais.