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Rodrigo Mattos

Desrespeito com Sidão está também na conta de cada um na turba na internet

rodrigomattos

13/05/2019 04h00

Ao fim da vitória do Santos sobre o Vasco, uma constrangida repórter da Globo foi entregar um prêmio de melhor jogador ao goleiro vascaíno Sidão, que falhara feio no jogo. Em redes sociais, a piada com o jogador virou pena por reconhecer que ele fora submetido a uma humilhação. E, de fato, ele enfrentava em seu campo de trabalho algo similar a uma dessas pegadinhas toscas da internet. Não tinha graça.

A partir daí, o ponto de revolta da turba passou a ser a TV Globo, por entregar uma taça em um momento difícil para o goleiro. Um troféu que claramente representava um deboche com ele.

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Vamos por partes. Sim, faltou sensibilidade à emissora para evitar a entrega do prêmio diante da circunstâncias. Já ficou claro que a premiação da Globo virou mecanismo para brincadeiras na internet. Mas há limites em relação ao respeito do profissional que está em campo. E, quando sua atuação é tão ruim, é meio óbvio que ele tinha que ser poupado (ressalte-se que a repórter nada tinha a ver com isso).

O jogador teve uma atitude digna, foi educado e só demonstrou sua tristeza, o que é absolutamente natural. Que fosse entrevistado, questionado e eventualmente chorasse, vai lá. Ser alvo de deboche não cabia. A Globo reconheceu seu erro, pediu desculpas e mudou o prêmio.

Mas daí botar toda culpa na emissora é muito fácil. Afinal, era uma votação aberta, e quem decidiu zoar com o jogador e lhe dar o prêmio foram os internautas que o escolheram em peso. Houve uma campanha por parte do site "Desimpedidos", cujo peso no resultado é impossível saber. Fato é que as pessoas embarcaram na ideia de escrachar o jogador – ele somava perto de 90% dos votos.

Essa é uma cultura atual de humilhar pessoas na internet. Há um livro bom sobre isso do jornalista Jon Ronson chamado "Humilhados: como a era da internet mudou o julgamento público". Trata de pessoas comuns que cometeram algum erro, um comentário equivocado no Twitter, um frase ofensiva em um diálogo público, uma colocação infeliz em um palestra. Como consequência, houve movimentos de massa de ataque à pessoa que resultou em perda de emprego ou graves consequências psicológicas.

Como jogador de futebol, Sidão é uma personagem pública e está mais acostumado a ter seus erros submetidos a holofotes, mas isso não torna o ataque em massa menos prejudicial. Críticas e piadas fazem parte do futebol, e não é que ninguém queira vetar as brincadeiras. Há uma linha, porém, em que deixa de ser piada e vira humilhação. Todo mundo sabe disso nas piadas na escola, só que na internet isso é bastante amplificado.

E há um problema aí, porque a massa garante o anonimato àquele que humilha. Ele vota para escrachar, mas entende não ter nenhuma responsabilidade com a cena constrangedora ao jogador. "Ah, aí é culpa da Globo, eu só estava brincando." Assim como alguns acham tudo bem ofender um jogador, um técnico, um jornalista. "É internet, é terra de ninguém".

É preciso que, tanto no futebol como na vida, as pessoas tenham responsabilidades sobre seus atos como indivíduos. Claro que é normal uma torcida vaiar um jogador ou fazer piada com ele na internet. Outra coisa é tentar humilhá-lo. Um exemplo recente, no mundo real, foi de torcedores do Botafogo com o ex-técnico Zé Ricardo, em que eles o xingavam no aeroporto de forma absurda por resultados ruins em campo.

E essa reflexão não cabe só para os torcedores, mas também para os jornalistas. Além de informação, o papel do jornalismo é de análise crítica, o que, bem embasado, é absolutamente necessário porque erros apontados melhoram processos. Mas não foram poucas as vezes que nós erramos a mão e achincalhamos jogadores e técnicos. Um exemplo foi o jogador Alex Muralha, que foi alvo de uma perseguição em sua passagem ruim no Flamengo.

Se quando um ato nosso, seja de jornalista ou torcedor, resulta em uma cena com a qual ficamos constrangidos como a entrevista de Sidão, é preciso que olhemos antes para nós para entender se fomos justos do que continuar a apontar dedos para os outros sempre a procura de um outro culpado.

Sobre o Autor

Nascido no Rio de Janeiro, em 1977, Rodrigo Mattos estudou jornalismo na UFRJ e Iniciou a carreira na sucursal carioca de “O Estado de S. Paulo” em 1999, já como repórter de Esporte. De lá, foi em 2001 para o diário Lance!, onde atuou como repórter e editor da coluna De Prima. Mudou-se para São Paulo para trabalhar na Folha de S. Paulo, de 2005 a 2012, ano em que se transferiu para o UOL. Juntamente com equipe da Folha, ganhou o Grande Prêmio Esso de Jornalismo 2012 e o Prêmio Embratel de Reportagem Esportiva 2012. Cobriu quatro Copas do Mundo e duas Olimpíadas.

Sobre o Blog

O objetivo desse blog é buscar informações exclusivas sobre clubes de futebol, Copa do Mundo e Olimpíada. Assim, pretende-se traçar um painel para além da história oficial de como é dirigido o esporte no Brasil e no mundo. Também se procurará trazer a esse espaço um olhar peculiar sobre personagens esportivas nacionais.