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Rodrigo Mattos

Em jogo da seleção, sobrou dinheiro de renda e faltou barulho da torcida

rodrigomattos

15/06/2019 04h00

O silêncio no Morumbi na estreia da Copa América foi além do que se tem observado em jogos mornos da seleção. O primeiro som perceptível no estádio em que havia quase 50 mil pessoas foram as vaias no intervalo por conta da fraca atuação do time. De resto, houve quase nada de canto, quase nada de gritaria, comuns em ambiente de futebol.

Para analisar o fenômeno, é preciso primeiro dar um contexto do jogo da seleção diante da Bolívia. A renda anunciada foi recorde de R$ 22,5 milhões (excluída a Copa-2014 que não divulgava a receita individual dos jogos) e o público pagante ficou em torno de 46 mil, bem abaixo dos 65 mil esperados. Assim, o ingresso médio foi de R$ 485,00.

Há uma dúvida sobre os números já que se anunciava que havia público esgotado. Fato é que o preço médio é excessivamente alto para os padrões nacionais. Não é que pessoas com alto poder aquisitivo gostem menos de futebol do que as com menos dinheiro, mas o preço exagerado restringe o jogo a esse público e portanto vai muita gente que vê a partida mais como um evento social.

Ora, dirá o leitor: e daí? O futebol brasileiro é construído em grande parte pela paixão do torcedor pelo esporte. Não é gente que vai ao jogo, toma meia dúzia de cervejas (ou champagne) e vai embora para o próximo evento. É gente que se importa com aquilo a ponto de tornar seu time parte significativa da sua vida, de sofrer no dia seguinte pelo resultado. É isso que torna o futebol único.

Quando essas pessoas são excluídas do estádio, perde-se muito do ambiente. Mais, a exclusão de uma parte significativa da população dos jogos da seleção (e em alguns casos de clubes) é um dano para o esporte a longo prazo. Longe do ambiente do estádio, a paixão tende a arrefecer.

Não se está aqui defendendo os preços populares a qualquer custo. Futebol é negócio, e preços de ingressos têm, sim, que respeitar uma lógica de mercado. Mas há de levar em conta também a necessidade de manter o público realmente fiel ao futebol com acesso aos jogos de seus clubes e da seleção.

O time brasileiro, particularmente, parece cada vez mais distante da realidade do país. Que os jogadores atuam fora já é um fato dado e assimilado pela torcida. Mas é positivo manter uma seleção que não ganha uma Copa há 17 anos tão longe da massa do país? Ainda há um grande interesse pela seleção: quanto tempo vai durar com esta fórmula?

A Conmebol e a Comitê Organizador (CBF), que determinaram os preços, podem ver o futebol apenas pelo prisma de negócio. É uma abordagem lógica do ponto de vista financeiro. Mas esse negócio do futebol é sustentando pela paixão. Se ela deixar de existir, não vai haver canto de torcida, nem dinheiro. Como na fábula, é matar a galinha dos ovos de ouro.

Sobre o Autor

Nascido no Rio de Janeiro, em 1977, Rodrigo Mattos estudou jornalismo na UFRJ e Iniciou a carreira na sucursal carioca de “O Estado de S. Paulo” em 1999, já como repórter de Esporte. De lá, foi em 2001 para o diário Lance!, onde atuou como repórter e editor da coluna De Prima. Mudou-se para São Paulo para trabalhar na Folha de S. Paulo, de 2005 a 2012, ano em que se transferiu para o UOL. Juntamente com equipe da Folha, ganhou o Grande Prêmio Esso de Jornalismo 2012 e o Prêmio Embratel de Reportagem Esportiva 2012. Cobriu quatro Copas do Mundo e duas Olimpíadas.

Sobre o Blog

O objetivo desse blog é buscar informações exclusivas sobre clubes de futebol, Copa do Mundo e Olimpíada. Assim, pretende-se traçar um painel para além da história oficial de como é dirigido o esporte no Brasil e no mundo. Também se procurará trazer a esse espaço um olhar peculiar sobre personagens esportivas nacionais.