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Rodrigo Mattos

Sampaoli e Jesus podem derrubar domínio de corrente defensiva no Brasileiro

rodrigomattos

29/07/2019 04h00

Foto: Ivan Storti/Santos FC

Jorge Sampaoli tem um trabalho consistente no Santos com ideias ofensivas, um jogo intenso e melhoria técnica de cada um de seus jogadores. Jorge Jesus tem um início de trabalho no Flamengo em que propõe um futebol também vertiginoso, um sistema tático inovador e a cobrança para que seus atletas mudem para se adaptar a isso.

O técnico argentino é, com todos os méritos, o líder do Brasileiro superando o rico Palmeiras na última rodada. O treinador português mantém seu time na terceira posição, completando a trinca dos principais candidatos ao título nacional no atual cenário – cinco pontos atrás dos santistas.

É impossível comparar um trabalho de sete meses com outro de um mês. O que há em comum entre os dois é a ideia de buscar a vitória a maior parte do tempo, as posições geralmente avançadas de seus times, a procura por soluções que saem do comum e não ter medo de arriscar jogadores pouco óbvios.

O jogo mais simbólico de Sampaoli foi o massacre sobre o Corinthians na semifinal do Paulista que acabou com o time eliminado apesar do tiroteio de finalizações. Foi no Paulista, no entanto, que ele tomou uma goleada para o Ituano pois sua defesa ainda não tinha se ajustado para marcar com a linha de defesa avançada, como jogam seus times.

Bem, diante do Avaí, repetiu-se o bombardeio para levar o time à vitória. Mas Sampaoli incorporou vários outros itens ao repertório santista nesses sete meses. Ousado, ele também construiu uma das melhores defesas do Brasileiro, com apenas oito gols sofridos. Na sequência de seis vitórias, o Santos ganhou quatro partidas por 1 x 0, ou seja, a consolidação do seu sistema defensivo foi essencial para a liderança.

Lembre-se que Sampaoli bateu o Grêmio em Porto Alegre jogando com cinco na linha de defesa para se proteger, o que surpreendeu e parou o time de Renato. Nem por isso o time deixou de atacar. Ou recorde-se quando o Santos foi mutante durante um mesmo jogo: pressionou o Botafogo com marcação ofensiva e depois passou a jogar no contra-ataque quando teve um expulso.

Outro fator é que Sampaoli gira seus jogadores e incrementa seu jogo. Como exemplo, Jean Mota era um jogador vital no início do ano, atualmente, não é um titular absoluto. Ou veja como Pituca e Jean Lucas (que já deixou o Santos) cresceram de produção em seu jogo de meio-campo nas mãos do técnico. E há a aposta em jogadores jovens, às vezes, improvisados. Nem sempre dá certo, mas há a inovação.

Essa inovação e ofensividade são vistas também com Jorge Jesus em um trabalho bem mais recente. Seu sistema com 4-1-3-2 coloca o máximo de jogadores do Flamengo na pressão do campo ofensivo rival, como fez novamente contra o Botafogo. Atrapalha a vida da saída do rival para recuperar a bola no campo de ataque, ao mesmo tempo em que constrói os ataques pelos dois lados agredindo com muitos jogadores.

Diante do Botafogo, encheu o setor direito do Flamengo com jogadores para atacar deixando perdido o lateral-esquerdo Jonathan. Com a perna invertida, Gerson cortava para o meio, Rafinha atacava pela ponta, Gabriel aparecia pelo meio ou mais aberto. Do lado esquerdo, repetia isso com Trauco, Bruno Henrique e eventualmente Lincoln.

Compensou em determinada medida a falta de seus meias titulares mantendo o Flamengo como dono do jogo diante do Botafogo. Não foi um jogo brilhante como o do Goiás, mas o volume de ataque acabou impondo o placar.

Ressalte-se que, ao contrário do Santos, o time de Jesus não tem a defesa consolidada na marcação com linha avançada. Sua média é de tomar mais de um gol por partida desde sua chegada. Pelo menos, contra o Botafogo, foram dois gols de bolas paradas, em falhas do goleiro Diego Alves, e não nas costas da linha de defesa.

Não lhe faltam inovações na escalação como o uso de Rafinha como meia diante do Emelec, que não deu certo, ou a utilização de linha com quatro atacantes em momentos em que quer pressão total. Assim como Sampaoli, tenta mudar característica de jogadores como Arão que agora tenta adaptar para ser primeiro volante (como iniciou a carreira aliás). Ambos ensinam os atletas a exercer as novas funções.

Fato é que, ao fugirem do óbvio, os dois técnicos trazem para o Brasileiro o frescor e a chance de mudar a corrente dominante de defensivismo covarde que nos assola nos últimos anos. Há técnicos brasileiros diferentes, sim, veja o caso de Renato, no Grêmio, ou Barbieri no Flamengo no ano passado, ou Rogério Ceni no Fortaleza, ou Fernando Diniz, no Fluminense. O que se ressalte aqui é ousadia de pensar diferente mesmo quando o resultado não vem.

Até porque, fora o caso de Renato que sempre prefere mata-matas, nenhum deles não está em posição de ganhar o Brasileiro que acaba determinando a tendência tática do país. Com dois técnicos francamente ofensivos, e inovadores na disputa, um título de um deles talvez tenha influência sobre todo o restante da cadeia.

Assim como os títulos de Felipão (Palmeiras) e de Carille (Corinthians) nos dois últimos Brasileiros intensificaram a ideia de que um futebol mais cauteloso obtém mais resultados por aqui. Ambos têm méritos em suas taças, diga-se, pois formaram times eficientes e competitivos. A questão é que, se analisarmos os últimos dez anos, a maioria das edições do Nacionais foi ganha por técnicos que priorizavam a defesa. É muito importante que o nosso futebol tenha mais de um horizonte.

 

Sobre o Autor

Nascido no Rio de Janeiro, em 1977, Rodrigo Mattos estudou jornalismo na UFRJ e Iniciou a carreira na sucursal carioca de “O Estado de S. Paulo” em 1999, já como repórter de Esporte. De lá, foi em 2001 para o diário Lance!, onde atuou como repórter e editor da coluna De Prima. Mudou-se para São Paulo para trabalhar na Folha de S. Paulo, de 2005 a 2012, ano em que se transferiu para o UOL. Juntamente com equipe da Folha, ganhou o Grande Prêmio Esso de Jornalismo 2012 e o Prêmio Embratel de Reportagem Esportiva 2012. Cobriu quatro Copas do Mundo e duas Olimpíadas.

Sobre o Blog

O objetivo desse blog é buscar informações exclusivas sobre clubes de futebol, Copa do Mundo e Olimpíada. Assim, pretende-se traçar um painel para além da história oficial de como é dirigido o esporte no Brasil e no mundo. Também se procurará trazer a esse espaço um olhar peculiar sobre personagens esportivas nacionais.