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Rodrigo Mattos

Morre o cartola que atrasou futebol sul-americano por 25 anos por propina

rodrigomattos

29/08/2019 09h00

Em 1991, Nicolás Leoz, então presidente da Conmebol, afirmou que não era justo que José Hawilla, então dono da Traffic, lucrasse sozinho com a comercialização da Copa América com televisão e marketing. O cartola queria uma propina em troca dos contratos. O relato é do próprio Hawilla em depoimento à justiça dos EUA no caso Fifa.

Leoz morreu na noite desta quarta-feira de parada cardíaca enquanto estava em prisão domiciliar em Assunção, no Paraguai. Havia fartas provas das enormes quantidades de desvios que cometeu na Conmebol, mas conseguiu evitar a detenção em cárcere público de fato e a extradição para os EUA.

Pode-se dizer que Leoz é o inventor do esquema de corrupção em larga escala no futebol sul-americano. Sua propina inicial requisitada a Hawilla se alastrou para praticamente todas as federações nacionais do continente. Cada um recebia uma fatia e replicava o esquema em seu país.

E qual era o esquema? Os cartolas davam a empresas de marketing os direitos das competições mais valiosas do continente, Libertadores, Copa América, em troca de depósitos em suas contas, de forma indireta ou por meio de intermediários. Isso perdurou por 25 anos até que o Departamento de Justiça dos EUA desvendasse o esquema e prendesse alguns deles.

O efeito sobre o futebol foi nefasto. A década de 90 foi quando a UEFA, as ligas e os clubes europeus estruturaram o futebol do continente antes combalido por casos de violência. É a raiz da Liga dos Campeões, da Premier League repaginada, da abertura dos clubes europeus para investimentos de fora.

Enquanto isso, Leoz e seus parceiros impunham violência nos estádios, campos esburacados e cotas miseráveis aos clubes sul-americanos na Libertadores. Os cartolas ficavam ricos, enquanto os times capegavam mesmo quando campeões.

A cara de pau chegou a tal nível que documentos recentes da Conmebol revelam que a confederação depositava direto dinheiro nas contas da empresa da família de Leoz que tem uma fazenda para produzir adoçante. Sim, o dinheiro do futebol americano ia adocicar as contas do cartola sem nenhuma explicação plausível até o momento, sequer um daqueles contratos fakes que tanto vemos no mundo do futebol.

Quando a quadrilha de Leoz saiu, incluídos aí seus dois sucessores, a Libertadores era vendida por pechincha e por isso pouco valia para os clubes. As cotas para um jogo da fase de grupos valiam US$ 300 mil e atualmente valem US$ 1 milhão. Simplesmente por que houve concorrência e o dinheiro foi distribuído. Esses valores, ressalte-se, ainda podem melhorar bem mais com incrementos na gestão da competição.

Não é exagero dizer que a gestão de Leoz à frente da Conmebol atrasou em 25 anos o futebol sul-americano. Como isso ocorreu no momento em que os europeus davam um salto, o cartola é diretamente responsável por cada olé que os times daqui tomam dos seus rivais do velho continente no Mundial de Clubes.

A imagem que guardo de Leoz é de quando fui entrevista-lo na sua sala na Conmebol há uns 15 a 10 anos. Me entregou chaverinhos do seu time, o Libertad, e montes de livros da história do futebol sul-americano. Entres eles, um livro exaltava os "sacrifícios sem limites" dos cartolas pelo futebol.

Sobre o Autor

Nascido no Rio de Janeiro, em 1977, Rodrigo Mattos estudou jornalismo na UFRJ e Iniciou a carreira na sucursal carioca de “O Estado de S. Paulo” em 1999, já como repórter de Esporte. De lá, foi em 2001 para o diário Lance!, onde atuou como repórter e editor da coluna De Prima. Mudou-se para São Paulo para trabalhar na Folha de S. Paulo, de 2005 a 2012, ano em que se transferiu para o UOL. Juntamente com equipe da Folha, ganhou o Grande Prêmio Esso de Jornalismo 2012 e o Prêmio Embratel de Reportagem Esportiva 2012. Cobriu quatro Copas do Mundo e duas Olimpíadas.

Sobre o Blog

O objetivo desse blog é buscar informações exclusivas sobre clubes de futebol, Copa do Mundo e Olimpíada. Assim, pretende-se traçar um painel para além da história oficial de como é dirigido o esporte no Brasil e no mundo. Também se procurará trazer a esse espaço um olhar peculiar sobre personagens esportivas nacionais.