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Rodrigo Mattos

Clubes quebrados não merecem resgate externo: têm que se salvar sozinhos

rodrigomattos

08/09/2019 04h00

A temporada atual do futebol brasileiro vive nova onda de caos financeiro em diversos clubes grandes brasileiros. Buracos nas contas, salários atrasados em meses, dívidas não pagas que asfixiam times. Nessa situação, há sempre quem levante novamente a possibilidade de um plano para salvar determinadas agremiações, seja reduzindo número de clubes rebaixados, seja clamando por mudanças em distribuição do dinheiro de TV (o que é firmado por contrato, lembre-se).

Não é a primeira vez. Nos últimos 15 anos, os clubes já passaram por dois planos federais de resgates (Timemania e Profut). Ao mesmo tempo, houve duas renovações de contratos de televisão com acordos individuais e luvas consideráveis por assinatura, fora reajustes. Os valores das vendas de jogadores tiveram elevação constante, assim como houve um período de bonança de patrocínios que agora minguou.

E o que os clubes fizeram com todas essas oportunidades? Houve alguns que fizeram planos de recuperação de longo prazo, os suspeitos de sempre, Flamengo, Grêmio, Palmeiras e Bahia. E a maioria pegou cada valor extra para torrar no futebol atrás de mais títulos sem nunca fazer um ajuste sério de suas contas.

Peguemos os exemplos de Vasco, Fluminense e Botafogo e do Cruzeiro, quatro dos que têm problemas mais graves de dívidas e salários em atraso no ano. Todos tiveram chance de acertar o passo e suas gestões passadas (em alguns casos atuais) optaram pela irresponsabilidade.

O clube tricolor tinha uma parceria forte na Unimed em contrato que despejada rios de dinheiro no clube sem retorno para o patrocinador. O presidente da empresa era Celso Barros, atualmente vice do clube. A empresa gastava em contratações e salários milionários de estrelas, e uma parte dos gastos sobrava para o clube.

Em nenhum momento no período de parceria, o Fluminense aproveitou para ajeitar suas contas. Quando a Unimed saiu, sobrou parte da conta em processos da própria Unimed contra o clube e de jogadores que não receberam. Ainda assim, o tricolor teve nova chance com a venda de Gerson e depois de outros atletas: continuou a acelerar gastos contratando sem diminuir a folha pelo menos até a chegada de Pedro Abad que tentou reduzir as despesas. Agora, elege Celso Barros para a reconstrução. Não faz sentido.

O caso do Vasco é de uma gestão desastrosa atrás da outra. Basta lembrar que os associados levaram Eurico Miranda de volta ao clube para salva-lo. Sim, o mesmo dirigente que tinha criado dívidas milionárias de esporte amador, Romário, Edmundo que nem tinham sido pagas quando ele voltou. E continuam em aberto.

O Vasco teve suas oportunidades nos dois contratos de TV pois tem enorme poder de mídia pelo seu tamanho. Eurico negociou um acordo pior do que quase todos os clubes para levar dinheiro antecipado. Fora o fato de que, mesmo falido, o clube foi atrás de jogadores caros como Luis Fabiano, enquanto vendia a dinheiro pinga talentos como Philippe Coutinho. Transparência? Vá tentar entender as contas vascaínas da era Eurico…

Não foi diferente com o Botafogo. Seu ex-presidente Maurício Assunção foi contratar um milionário Seedorf totalmente fora das possibilidades reais do clube. A torcida festejou e a conta ficou quando Assunção saiu – o ex-dirigente estava passeando em uma feita de negócios de futebol nesta semana passada. Não se pagava imposto por lá, como em outros clubes, e a dívida alvinegra é hoje impagável a não ser que o projeto dos irmãos Moreira Salles emplaque – um projeto legítimo porque formado pelas forças de empresários do clube.

E o Cruzeiro? Saltou de um clube com histórico de responsabilidade nas contas para um dos mais notórios caloteiros da praça. As duas últimas gestões, Gilvan Pinheiro Tavares e Wagner Sá Pires, contrataram jogadores para os quais não havia receita suficiente por anos e anos. Estão aí as várias dívidas na Fifa que comprovam essa informação.

Formou times campeões, levantou taças, e agora a conta chegou. Pior, com o caos escancarado, a atual diretoria insiste em trazer de volta o vice Itair Machado, um dos pilares dos problemas nesses dois últimos anos. Será que as atitudes do Cruzeiro merecem ser recompensadas com um resgate?

Cabe a esses clubes buscarem as soluções pelas próprias forças de seus torcedores e de seus dirigentes. Se não conseguirem, as crises financeiras podem se agravar com um rebaixamento, mas isso é um problema que eles, que construíram o caos, terão de resolver. E que sejam substituídos nas séries superiores por outros clubes mais competentes em suas gestões e se reestruturem para voltar se for o caso. Foi assim como a Fiorentina na Itália.

É normal desejar que times tradicionais com torcidas grandes fiquem na elite do futebol brasileiro pelo que representam. Mas o futebol é um esporte que só faz sentido se premiar o mérito. Isso vale para o que ocorre dentro de campo, tanto quanto vale para fora dele.

 

Sobre o Autor

Nascido no Rio de Janeiro, em 1977, Rodrigo Mattos estudou jornalismo na UFRJ e Iniciou a carreira na sucursal carioca de “O Estado de S. Paulo” em 1999, já como repórter de Esporte. De lá, foi em 2001 para o diário Lance!, onde atuou como repórter e editor da coluna De Prima. Mudou-se para São Paulo para trabalhar na Folha de S. Paulo, de 2005 a 2012, ano em que se transferiu para o UOL. Juntamente com equipe da Folha, ganhou o Grande Prêmio Esso de Jornalismo 2012 e o Prêmio Embratel de Reportagem Esportiva 2012. Cobriu quatro Copas do Mundo e duas Olimpíadas.

Sobre o Blog

O objetivo desse blog é buscar informações exclusivas sobre clubes de futebol, Copa do Mundo e Olimpíada. Assim, pretende-se traçar um painel para além da história oficial de como é dirigido o esporte no Brasil e no mundo. Também se procurará trazer a esse espaço um olhar peculiar sobre personagens esportivas nacionais.