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Rodrigo Mattos

Abel, Diniz e Ceni: rodízio de técnicos no Brasil não tem a mínima lógica

rodrigomattos

28/09/2019 04h00

O Brasileiro da Série A teve quatro demissões de técnicos em 24 horas, isto é, 20% dos times mudaram seus comandos após a 21a rodada. Repete-se a rotina da liga de elite que mais troca treinadores no mundo. Para além disso, a questão é tentar descobrir se as saídas e entradas de técnicos têm alguma lógica esportiva.

É preciso ressaltar que a estabilidade de treinadores não deve ser vista como um bem absoluto. Há um rodízio além da conta no Brasil, mas é certo que, em determinadas situações, a melhor opção é trocar o comando do time. Veja os casos de Flamengo e Palmeiras que tiveram saltos de desempenhos. E eram esses os casos de São Paulo, Cruzeiro, Fluminense e Fortaleza, protagonistas do dia do massacre dos técnicos? Analisemos caso a caso.

São Paulo

Cuca parece ser o técnico que se encaixou melhor na "filosofia" da diretoria do São Paulo. Os dirigentes são-paulinos não têm a mínima ideia do que querem para seu time de futebol, e Cuca também não tinha. Pediu jogadores para montar seu tradicional time "Galo Doido" com bola direta para um pivô e pressão na marcação na frente, sem jogo de meio-campo. No meio do caminho, com Hernanes e Daniel Alves, tentou montar um time com posse de bola. Não rolou nem uma coisa nem outra. Então, pelo rendimento, fazia sentido sair.

E Diniz? É um técnico marcado pela posse de bola que dá a seu time como fez no Fluminense. Chegou falando em exibir futebol bonito como Telê, e exaltando seu trabalho no tricolor carioca (?). Está claro que, apesar das ideias promissoras, falta autocrítica a Diniz. Ora, o time estava na zona de rebaixamento, se estivesse pouco tempo no clube vá lá, mas estava desde o início. Está longe de ser um trabalho ideal portanto.

A questão é que a boa circulação de bola dos times de Diniz é minada pela falta de agressividade na marcação. Não dá para jogar com linha alta e seus jogadores ofensivos fazerem uma pressão meia-boca na saída de bola adversária. Seu time nem recuperava bolas com a defesa rival aberta, nem impedia a saída tranquila do adversário que, mais à frente, pegava uma retaguarda aberta. O Fluminense tem a pior defesa do Brasileiro ao lado da Chapecoense.

Será que vai funcionar no São Paulo? Diniz tem jogadores de qualidade no meio -Hernanes, Daniel Alves, Tchê Tchê – para fazer seu sistema de circulação de bola. Mas será que tem atletas com vigor para pressionar a marcação na frente e impedir a defesa de ficar exposta? E será que vai acelerar suas investidas no ataque além da lentidão vista com Cuca? A zaga vai se acostumar a jogar exposta? E a diretoria do São Paulo, uma das mais impacientes do futebol brasileiro, vai esperar toda essa adaptação necessária ao trabalho (não esperou quando foi com Jardine)? Não parece ser o técnico ideal para as circunstâncias.

Cruzeiro

Sejamos sinceros, como já dito aqui neste blog, a saída de Rogério Ceni não tem nenhuma lógica esportiva. O time vinha melhorando aos poucos com um estilo mais intenso e menos veteranos, mas os medalhões impuseram sua saída.

E a escolha de Abel Braga? O Cruzeiro está atrás de um gestor de elenco para controlar suas estrelas como Thiago Neves. É esse o perfil de Abel: deve se transformar rapidamente em querido pelo grupo. Mas será que isso é só o que o Cruzeiro precisa?

O jogo do Cruzeiro estava desgastado com Mano Menezes o que levou a sua saída. O time tinha um esquema defensivo com saídas rápidas para contra-ataque pelo chão que deu dois títulos da Copa do Brasil. Não havia a dedicação à marcação agressiva como antes, nem havia alternativas reais de ataque que não fossem bolas aéreas e lances esporádicos de Thiago Neves, Pedro Rocha e Fred quando estava em campo.

Pois Abel é um técnico que, na maioria dos trabalhos, também escalava seus times de forma defensiva para esperar o adversário. Foi assim que tentou postar o Flamengo time com maior desempenho ofensivo do Brasil. Vou repetir para ressaltar a bizarrice: Abel queria transformar em meramente reativo um time que fez mais de cem gols no ano graças ao trabalho de seu sucessor Jorge Jesus, diga-se.

Então, pensando no campo e não no divã de terapia do Cruzeiro, o clube chamou um técnico que vai jogar de forma parecida com que atuava o treinador anterior Mano Menezes, sendo que com bem menos sofisticação tática. Não parece fazer muito sentido essa escolha de Abel.

Fluminense

Quando contratado, Oswaldo de Oliveira sofreu uma das maiores rejeições dos últimos tempos em clubes grandes brasileiros. A torcida não queria, a imprensa não entendia. Explica-se: o treinador vinha de seguidos trabalhos fracos em times anteriores e surgiu como a opção que topou.

Para surpresa de ninguém, o Fluminense, que não vinha tão bem como parecia com Diniz, piorou ainda mais nas mãos de Oswaldo. O time manteve a circulação de bola característica de Diniz em alguns jogos, mas em outros passava a se posicionar mais atrás quase em uma retranca. Perdeu uma identidade que estava funcionando mal, e passou a não ter nenhuma.

Mas a realidade é que uma demissão com tão pouco tempo de trabalho é muito mais culpa dos dirigentes do que do treinador cuja influência na equipe, admitamos, foi limitada. Sua queda em meio a uma discussão com Ganso é só um reflexo do equívoco inicial da diretoria do Fluminense.

Não se sabe qual será a escolha da diretoria tricolor. Com mais de seis meses do ano em curso, e o time já acostumado a atuar de uma forma como posse de bola e avançado, seria interessante que se procurasse um treinador que tivesse essas características em seu trabalho. Idealmente, alguém que pudesse corrigir a falta de agressividade na marcação da equipe. A ver quem virá.

Fortaleza

O Fortaleza não perdeu Rogerio Ceni por vontade própria, ele que decidiu ir para o Cruzeiro. A escolha de Zé Ricardo fez sentido, sim, na época. É um técnico que já construiu times que sabiam tocar a bola e jogar de forma razoavelmente similar às ideais de Rogério. Já foi inclusive bem sucedido em outro perfil, na armação de times para se defender. Não vinha de bom trabalho no Botafogo.

Seu período no Fortaleza foi tão curto que é impossível avalia-lo. O time ficou praticamente na mesma posição que Ceni o deixou, estava em 14o e caiu para 15o. Não dá para dizer que era assim uma catástrofe que justificasse uma demissão tão rápida.

A volta de Ceni, se for confirmada, vai deixar latente que a saída de Zé Ricardo se justifica mais pela vontade de recuperar o técnico preferido. Algo parecido com o que ocorreu com Cuca no Botafogo tempos atrás. Se for isso, é uma falta de respeito com Zé Ricardo chama-lo para esquentar cadeira por dois meses. A ver qual será a opção da diretoria do tricolor cearense.

Sobre o Autor

Nascido no Rio de Janeiro, em 1977, Rodrigo Mattos estudou jornalismo na UFRJ e Iniciou a carreira na sucursal carioca de “O Estado de S. Paulo” em 1999, já como repórter de Esporte. De lá, foi em 2001 para o diário Lance!, onde atuou como repórter e editor da coluna De Prima. Mudou-se para São Paulo para trabalhar na Folha de S. Paulo, de 2005 a 2012, ano em que se transferiu para o UOL. Juntamente com equipe da Folha, ganhou o Grande Prêmio Esso de Jornalismo 2012 e o Prêmio Embratel de Reportagem Esportiva 2012. Cobriu quatro Copas do Mundo e duas Olimpíadas.

Sobre o Blog

O objetivo desse blog é buscar informações exclusivas sobre clubes de futebol, Copa do Mundo e Olimpíada. Assim, pretende-se traçar um painel para além da história oficial de como é dirigido o esporte no Brasil e no mundo. Também se procurará trazer a esse espaço um olhar peculiar sobre personagens esportivas nacionais.