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Rodrigo Mattos

CBF tenta 'colar' em clubes para fugir do rótulo de inimiga do torcedor

rodrigomattos

29/09/2019 04h00

As três listas de convocações para seleções brasileiras, no dia 20 de agosto, geraram uma enxurrada de críticas à CBF da torcida e da mídia. Não é algo insignificante para uma entidade que vive de imagem virar inimiga de seu público alvo. Ciente disso, a confederação tem feito movimentos para minimizar seu desgaste.

Primeiro, Tite tentou jogar na conta dos clubes o calendário, em meio a comentários leves sobre como torcedores tinham pedido a convocação de atletas. Em seguida, foi a vez de o presidente da CBF, Rogério Caboclo, escrever um longo artigo para dizer que clubes e a entidade têm interesses comuns e caminham "juntos".

Seu texto começa com a seguinte premissa: "A seleção brasileira é tão forte quanto forem os nossos clubes. O inverso também é verdade. Quanto mais forte e vencedora for a seleção brasileira, maior é o prestígio do nosso futebol e mais valorizadas são as marcas que o representam."

A primeira frase é absolutamente verdadeira. O time nacional precisa de times que revelem jogadores de qualidade para ser um time forte. Já a segunda sentença é discutível: o que ganham exatamente os clubes com uma seleção forte?

O único ganho real que podem ter é a valorização de jogadores que poderão ser vendidos. Mas as convocações em meio a competições fragilizam os clubes brasileiros tão carentes de jogadores de qualidade. Não há nenhuma liga de elite do mundo que tire jogadores em meio a rodadas do campeonato nacional como aqui. E, sejamos sinceros, o tal ganho de imagem com vitórias da seleção é balela. A CBF nunca promoveu as marcas dos clubes lá fora, só pensa na seleção.

Mais adiante, Caboclo, aliás, deixa bem claro sua prioridade:  "Portanto, assumimos na CBF dois conceitos: o primeiro é que não existem amistosos. O que existe são jogos preparatórios. E segundo que as seleções brasileiras não mais abrirão mão de ter os melhores jogadores em campo."

Ou seja, não fará nenhuma concessão a clubes, seja na seleção principal, seja nas de base, como tem sido política da entidade. O conceito de juntos da CBF portanto é "eu primeiro, e depois você vem junto atrás".

Por fim, a CBF tenta jogar na conta dos clubes também a responsabilidade do irracional cronograma de jogos do Brasil: "O calendário é o grande desafio do futebol brasileiro. Ele não é uma criação da CBF. Entendo que fazer calendário é a arte de traduzir em datas compromissos contratuais assumidos por todos os clubes em relação aos campeonatos que disputam e pelos quais recebem prêmios relevantes, que constituem parte majoritária de suas receitas anuais." E completa: "A CBF compartilha com os clubes e federações essa responsabilidade, pois isso faz parte da sua missão."

Trata-se de uma afirmação falsa em relação à participação dos clubes. Por estatuto, a CBF é a responsável por fazer o calendário, não há um fórum de clubes para opinar. E nem a confederação chama os clubes para discutir o cronograma de jogos. Chama, sim, as federações para conversar sobre o assunto. A redução de datas de Estaduais para 2020 foi discutida com as entidades estaduais que deram seu aval para a mudança, ainda que agora algumas queiram fazer com 18 datas originais.

O fato de os clubes receberem dinheiro pelos Estaduais não justifica colocar a culpa neles pelo calendário. A própria Globo, que é quem paga pelos Estaduais, deseja a extensão do Brasileiro para mais meses no ano, talvez iniciando em fevereiro. Nessa situação, é meio óbvio que a emissora estaria disposta a discutir a manutenção da verba atual destinada a clubes em troca do aumento do Nacional. É só a CBF, que é parceira da emissora, convida-la para dar sugestões sobre o tema. Quem não tem interesse na mudança são as federações, aliadas e eleitoras da CBF, pois os Estaduais são a base do status quo de poder deles.

Por fim, Caboclo dá o problema como resolvido: "A solução do calendário a partir de 2020 já foi construída, com a paralisação das competições em datas Fifa, preservando os clubes e fortalecendo ainda mais a Seleção Brasileira. Não podemos concorrer com nós mesmos. Essa luta já acabou."

Bem, o calendário de 2020 prevê a Copa América sem paralisação do Brasileiro, assim como a Olimpíada. Isso, obviamente, não é mencionado pelo presidente da CBF. Se a confederação não vai abrir mão dos melhores, essa luta não acabou. E quem vai levar a pior de novo serão os clubes. Juntos.

Sobre o Autor

Nascido no Rio de Janeiro, em 1977, Rodrigo Mattos estudou jornalismo na UFRJ e Iniciou a carreira na sucursal carioca de “O Estado de S. Paulo” em 1999, já como repórter de Esporte. De lá, foi em 2001 para o diário Lance!, onde atuou como repórter e editor da coluna De Prima. Mudou-se para São Paulo para trabalhar na Folha de S. Paulo, de 2005 a 2012, ano em que se transferiu para o UOL. Juntamente com equipe da Folha, ganhou o Grande Prêmio Esso de Jornalismo 2012 e o Prêmio Embratel de Reportagem Esportiva 2012. Cobriu quatro Copas do Mundo e duas Olimpíadas.

Sobre o Blog

O objetivo desse blog é buscar informações exclusivas sobre clubes de futebol, Copa do Mundo e Olimpíada. Assim, pretende-se traçar um painel para além da história oficial de como é dirigido o esporte no Brasil e no mundo. Também se procurará trazer a esse espaço um olhar peculiar sobre personagens esportivas nacionais.