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Rodrigo Mattos

Flamengo de Jesus recupera o prazer de desfrutar o futebol no Brasil

rodrigomattos

11/10/2019 04h30

Ao se assistir ao Flamengo no estádio, é perceptível que não há nada de aleatório no time. Os movimentos e posicionamentos fazem sentido, as jogadas são executadas como se ensaiadas fossem, os jogadores sabem todos o que têm de fazer e são hoje melhores do que eram há dois, três meses. O futebol é intenso, empolgante, vertiginoso. É o efeito do técnico Jorge Jesus.

Essa é a explicação pragmática que se atém ao que faz uma equipe de futebol funcionar (ou não). Há outra análise pertinente a partir daí que é: o que esta equipe representa na história recente do futebol brasileiro e se deixará um legado.

Conversei sobre isso com o colega PVC, uma das nossas melhores cabeças para o assunto, em um Maracanã em êxtase. Ele me lembrou o Santos de Neymar como um time tão móvel no ataque quanto esse do Flamengo. Eu lembrei do Cruzeiro de 2013/2014 como um time tão dominante no Brasileiro, e também uma máquina ofensiva.

Bem, esse Flamengo é melhor do que aquele Cruzeiro, por ter jogadores mais dotados tecnicamente e por jogar com ousadia quase o tempo inteiro. E aquele Santos tinha um craque que o Flamengo não tem em Neymar, mas não tinha o nível igual em todas as outras posições, nem a exuberância na movimentação ofensiva.

Difícil colocar marcas de tempo, anos, década. Mas a verdade é que não víamos um time que nos desse prazer como esse Flamengo há um longo período.

E por que? Não nos faltam, nem faltavam, talentos. Mas estamos estagnados, incapazes de repetir o futebol belo de um passado distante porque já não cabia em um esporte que se modernizou e igualmente incapazes de reproduzir a nova beleza que se criou lá fora. Estamos como artistas decadentes olhando um concerto de um novo talento da calçada.

E então um português veio nos mostrar -e antes um argentino no Santos com um elenco inferior, diga-se – que podemos voltar a sentir prazer no futebol. Que futebol não é saber sofrer é saber desfrutar.

Veja o jogo diante do Galo. Havia ali uma linha de cinco defensores atrás, outra de mais quatro à frente e um atacante. Em dado momento, o Atlético-MG meteu 11 na área. Justo se assim lhe apetece.

O Flamengo trabalhava a bola, nenhum chuveirinho daqueles de qualquer jeito. O passe da ponta era para o canto da área, a triangulação pela lateral, até achar o espaço preciso, como quem desenha ângulos com jogadores nos lugares de esquadros e compassos.

Esse mecanismo era em favor desse talento individual que tanto produzimos e vendemos para fora. Vitinho acha um drible e um chute, um garoto de 17 anos mata o jogo, e Arão ganha todas as bolas com a facilidade de quem joga com crianças porque está sempre no lugar certo.

Ao final, Jesus observou que seu trabalho só criará raízes no futebol brasileiro se for vencedor. É fato, aqui só se acredita na vitória. Mas já não se pode negar que o português nos trouxe de volta algo que havíamos perdido, esse prazer de ver uma graça no futebol, algo que nos enche os olhos para além do pragmatismo de vencer.

Sobre o Autor

Nascido no Rio de Janeiro, em 1977, Rodrigo Mattos estudou jornalismo na UFRJ e Iniciou a carreira na sucursal carioca de “O Estado de S. Paulo” em 1999, já como repórter de Esporte. De lá, foi em 2001 para o diário Lance!, onde atuou como repórter e editor da coluna De Prima. Mudou-se para São Paulo para trabalhar na Folha de S. Paulo, de 2005 a 2012, ano em que se transferiu para o UOL. Juntamente com equipe da Folha, ganhou o Grande Prêmio Esso de Jornalismo 2012 e o Prêmio Embratel de Reportagem Esportiva 2012. Cobriu quatro Copas do Mundo e duas Olimpíadas.

Sobre o Blog

O objetivo desse blog é buscar informações exclusivas sobre clubes de futebol, Copa do Mundo e Olimpíada. Assim, pretende-se traçar um painel para além da história oficial de como é dirigido o esporte no Brasil e no mundo. Também se procurará trazer a esse espaço um olhar peculiar sobre personagens esportivas nacionais.