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Rodrigo Mattos

Falta de vontade é o mito que justificar qualquer atuação ruim no Brasil

rodrigomattos

13/10/2019 04h00

Encerrado o clássico entre Santos e Palmeiras, havia um diagnóstico quase pronto para o resultado: "faltou ao Palmeiras jogar como decisão" ou "o Santos mostrou querer mais". Quando o time alviverde foi atropelado pelo Flamengo, houve quem visse apatia na equipe. A torcida também protesta com seus tradicionais gritos por mais vontade para os jogadores.

O Palmeiras está longe de ser uma exceção. Um levantamento em protestos de torcedores mostra que praticamente todos atribuem as eventuais más fases de seus times à falta de disposição de seus jogadores para correr igual a rivais. Por essa análise, o Flamengo deve ser o único time cujos atletas de fato correm no Brasil e todos os outros saem para passear no gramado todo final de semana.

Esse cenário não é habitual só aqui no país. O livro "Klopp: o técnico Heavy Metal", de Raphael Honigstein, conta que a Alemanha viveu situação parecia no relacionamento mídia, torcida e futebol. Basicamente, boa parte das explicações para vitórias e derrotas era atribuída a um time ter mostrado mais disposição, vontade, do o outro. O próprio Klopp ajuda a combater isso ao se tornar comentarista e introduzir explicações sobre estratégias e táticas na transmissões sobre futebol.

Lá como cá, o apego ao diagnóstico simplista sobre vontade tem relação com um entendimento raso do jogo, entre torcedores e jornalistas. Óbvio que há várias exceções no Brasil, de colegas do UOL a comentaristas de todas as emissoras, que têm exibido análises complexas das partidas.

Mas boa parte das pessoas não entende que, quando parece que um time correu mais do que o outro, em geral esta equipe estava na realidade correndo certo. É o caso de Santos e Palmeiras. Ao final da partida, de forma acertada, o técnico palmeirense Mano Menezes disse que seu time fez o mesmo esforço físico do rival, mas cometeu erros de estratégia. No caso, enquanto o Santos exercia a marcação pressão corretamente fechando a saída de bola palmeirense, o time alviverde não conseguia fazer o mesmo do outro lado, permitindo aos santistas sair jogando e achar brechas.

As chegadas de dois técnicos estrangeiros que trabalharam em ligas europeias, Jorge Jesus e Jorge Sampaoli, provocam um novo cenário tático no país. Ambos postam seus times para jogar de forma mais avançada, pressionando o rival na marcação desde sua saída de bola e com enorme variações de movimentações, e posições. Seus times têm um jogo mais intenso, mas isso não significa que correm mais. A coordenação dos movimentos, e o seu treinamento contínuo com repetições, possibilita que corram certo.

A percepção de que as outras equipes -com exceção de Grêmio e Athletico-PR – são mais lentas é porque há correria para marcar e para atacar sem um posicionamento ou movimento bem feito, especialmente no campo ofensivo. Talvez o Brasileiro-2019 seja didático para o torcedor e para a mídia brasileira entenderem que nem sempre falta vontade aos atletas, em geral, falta bola mesmo.

 

 

Sobre o Autor

Nascido no Rio de Janeiro, em 1977, Rodrigo Mattos estudou jornalismo na UFRJ e Iniciou a carreira na sucursal carioca de “O Estado de S. Paulo” em 1999, já como repórter de Esporte. De lá, foi em 2001 para o diário Lance!, onde atuou como repórter e editor da coluna De Prima. Mudou-se para São Paulo para trabalhar na Folha de S. Paulo, de 2005 a 2012, ano em que se transferiu para o UOL. Juntamente com equipe da Folha, ganhou o Grande Prêmio Esso de Jornalismo 2012 e o Prêmio Embratel de Reportagem Esportiva 2012. Cobriu quatro Copas do Mundo e duas Olimpíadas.

Sobre o Blog

O objetivo desse blog é buscar informações exclusivas sobre clubes de futebol, Copa do Mundo e Olimpíada. Assim, pretende-se traçar um painel para além da história oficial de como é dirigido o esporte no Brasil e no mundo. Também se procurará trazer a esse espaço um olhar peculiar sobre personagens esportivas nacionais.