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Rodrigo Mattos

Contrato de Neymar e empresa ignorou Santos e deu dinheiro do Barça ao pai

rodrigomattos

08/10/2014 06h00

Um contrato entre Neymar Jr. e a empresa de seu pai, N & N, ignorou o Santos e deu os direitos de transferência para o Barcelona para a família do jogador. Foi essa operação cujos dados eram desconhecidos até agora que possibilitou ao seus pais ganharem € 40 milhões, enquanto o clube levou € 17 milhões.

O blog obteve esse e outros documentos do negócio de 2011 que mostram uma realidade diferente da versão dada por Neymar pai. Primeiro, ele lucrou de forma indireta com os direitos econômicos da transferência. Segundo, o jogador já tinha contrato assinado com o Barcelona desde aquela época.

A história começou em setembro de 2011 quando Barcelona e Real Madrid disputavam a contratação de Neymar, e o Santos resistia. Há uma versão de que o clube brasileiro chegou a topar negocia-lo e desistiu, mas isso é negado pelo então presidente santista Luis Alvaro de Oliveira Filho. Fato é que o time de Messi foi procurar o pai de Neymar em separado, em setembro daquele ano. Até aqui são informações conhecidas.

O que não se sabia é que, antes mesmo de o Santos liberar a negociação, Neymar pai começou a dar forma a operação. É o que se demonstra pelo contrato entre sua empresa N & N Consultoria Esportiva e Empresarial e o filho, datado de 27 de outubro.

Capa do primeiro contrato assinado entre Neymar e a empresa N&N, pertencente aos seus pais. Documento lhe dava direito a gerir carreira do atleta

Capa do primeiro contrato assinado entre Neymar e a empresa N&N, pertencente aos seus pais. Documento lhe dava direito a gerir carreira do atleta

Pelo documento, fica claro que a empresa passaria a tratar da transferência de Neymar Jr.. Entre as obrigações da N & N está: "fornecer informações e realizar indicações sobre os clubes que eventualmente venham a demonstrar interesse nas contratações dos direitos federativos e econômicos do atleta". Não havia nenhuma remuneração fixada, o que só aconteceria no caso de eventual negócio. Naquele momento, a transferência com o Barcelona já estava sendo conversada, segundo o blog apurou.

Para se resguardar, uma parte do contrato diz que não há associação esportiva entre Neymar e a empresa para evitar descumprir o regulamento de transferências da Fifa, já que o jogador estava com acordo em vigor com o Santos.

Pois bem, no dia 8 de novembro, Neymar pai consegue do Santos a carta que o libera para iniciar tratativas e eventual acerto de transferência com outro clube. Segundo Laor, ex-presidente santista, isso não implicava na prerrogativa de fechar um acordo. Representantes do jogador entendem que havia esse direito.

Fato é que, dois dias depois, o contrato entre a N& N e Neymar Jr. é alterado. Pelo novo documento, os pais do jogador, por meio da empresa, passam a ser donos dos seus direitos a partir de 2014. Na cláusula 1a, fica claro que a N& N passa a ter a prerrogativa de "negociar e concluir quaisquer negócios que envolvam a sua transferência para clubes europeus na condição de free agent". Seria a empresa que acertaria salários e outros ganhos.

Mais adiante, na cláusula 3a, é descrito como seria a remuneração da empresa."Em contraprestaçao aos serviços prestados, o atleta concede  à contratada, o direito de receber diretamente do clube europeu que venha a ser aceito pelo mesmo, todos os valores decorrentes de sua condição de free agent". Ou seja, os direitos de Neymar a partir de 2014 passam a pertencer à N & N.

Cláusula do contrato entre Neymar e a empresa N& N que dá os direitos de venda do jogador para seus pais a partir de 2014

Cláusula do contrato entre Neymar e a empresa N& N que dá os direitos de venda do jogador para seus pais a partir de 2014

Ainda fica estabelecido que a N & N terá 5% de todos os salários acertados por Neymar com seu futuro clube. Pelo regulamento da Fifa, um agente pode ser remunerado ou com o pagamento integral no fechamento da negociação ou com percentuais do salário. É vedado receber por ambos.

Pelos termos desse aditamento ao contrato, Neymar sequer poderia acertar com outro clube sem a anuência do pai. E, caso decidisse renovar com o Santos, teria de indenizar a empresa.

Documento da N & N obtidos pelo blog, em respostas à investigação da Receita Federal, mostram que o contrato entre Neymar, a empresa e o Barcelona foi assinado apenas cinco dias depois. A firma diz que, em 15 de novembro de 2011, foram sacrametados esses acordos.

Não há dúvida na descrição feita pela empresa. O Barcelona pagaria € 40 milhões pelos "direitos federativos e econômicos" do jogador. Desse total, € 10 milhões seriam dados a título de empréstimo em 2011, e outros € 30 milhões na confirmação da sua ida em 2014. Como já informara Neymar pai, caso isso não acontecesse, cada parte deveria o valor integral a outra.

Em resposta à Receita, N & N informa que assinou contrato com o Barcelona em 15 de novembro, mesma data de Neymar. Ou seja, havia, sim, pré-contrato entre o jogador e o clube.

Em resposta à Receita, N & N informa que assinou contrato com o Barcelona em 15 de novembro, mesma data de Neymar. Ou seja, havia pré-contrato entre o jogador e o clube.

Como a transferência ocorreu no meio de 2013, o dinheiro pago foi uma indenização do Barcelona para a N & N por não ter se concretizado o negócio em 2014. Assim, essa multa só existiu porque a empresa vendera os direitos federativos futuros do jogador. Ora, era o Santos o detentor desses direitos no meio de 2013, e não a empresa. Ainda assim, quem ficou com o grosso do dinheiro foi o pai do jogador.

Em uma entrevista em fevereiro de 2014, para esclarecer o caso, Neymar pai afirmou que não recebera pela transferência. "Os 40 milhões são indenização. Alguém ia ter que pagar os 40 milhões, a N & N ou o Barcelona. Transferência é outra coisa, operação é outra coisa. Precisa entender", disse ele. Em seguida, afirmou que, se a saída do jogador ocorresse em 2014, nada ganharia. Mas estava previsto por contrato obter esse valor se a mudança de clube do jogador ocorresse neste ano.

Outra afirmação de Neymar pai foi que o contrato era simplesmente entre a N& N e o Barcelona, negando qualquer pré-contrato do jogador com o clube: "Não foi com o Neymar" (…)  "Tinha autorização. Não era aliciamento. Não preciso mostrar. Barcelona não estava aliciando jogador nenhum."

Não só havia um contrato assinado com Neymar como os documentos mostram um relacionamento ainda mais estreito. Em outro trecho de resposta à Receita, a N & N revelou que o jogador assinou até uma minuta preliminar de contrato de trabalho com o clube europeu, naquele mesmo dia 15 de novembro. Veja abaixo o trecho em que Fiscalizada é a N & N:

 

Resposta da N & N à Receita em que explica que havia uma minuta de contrato de trabalho entre Neymar e o Barcelona, datada de 15 de novembro.

Resposta da N & N à Receita em que explica que havia uma minuta de contrato de trabalho entre Neymar e o Barcelona, datada de 15 de novembro.

Com fontes envolvidas na negociação, o blog apurou que nesta minuta já estava acertado até qual seria o salário de Neymar quando fosse para o Barcelona no meio de 2014. Teoricamente, a autorização do Santos eximiria Neymar pai, seu filho e o clube europeu de punição apesar de ter sido assinado um pré-contrato quando ainda faltavam dois anos e meio para o fim do compromisso com o clube brasileiro, o que é vetado pela Fifa. Acordos só podem ser firmados a seis meses do final.

Mas isso significa que Neymar jogou a final entre Santos e Barcelona já com um contrato futuro firmado com o time europeu.

Em outro trecho de suas explicações para a Receita, a N & N reconheceu que o Santos não tomou nenhuma parte na negociação com o Barcelona. A partir da autorização por carta, a empresa entendeu que não tinha mais que dar satisfação ao clube em que o atleta atuava "por (este) não ser parte do contrato firmado entre a fiscalizada e o Barcelona".

Feito em março de 2014, o distrato do contrato entre a N & N e Neymar é outra prova de que a operação iniciada em outubro de 2011 só servia para fechar sua negociação ao clube europeu. Nos termos do documento, está escrito como uma das justificativas da rescisão: "Considerando que as partes cumpriram integralmente o objeto do contrato, com a transferência definitiva do atleta para o FC Barcelona". Em seguida, reforça: "Tendo o contrato sido executado com sucesso, com o alcance mútuo de todos os objetivos traçados" (…) e estabelece o distrato acordado pelas duas partes.

Todos os documentos obtidos pelo blog mostram a clara a intenção de Neymar pai e do jogador de tratar de forma sigilosa esses acordos, que não eram conhecidos nem por envolvidos na negociação. A palavra confidencial está em todos os documentos e há cláusulas de confidencialidade entre as partes. A empresa e Neymar pai se recusaram a comentar uma série de perguntas feitas pelo blog:

"A empresa N&N e seus sócios não estão autorizadas por contrato a revelar informações confidenciais relativas ao negócios jurídicos realizados com o FC Barcelona e com o Santos Futebol Clube, por convenção contratual com dois Clubes.

A empresa N&N e seus sócios já prestaram as informações necessárias às Autoridades Públicas competentes, sempre, frise-se, que formalmente demandadas."

A empresa ainda enviou uma notificação extrajudicial ao UOL para que não fossem publicadas as informações obtidas dos contratos e da negociação entre Barcelona, Neymar e a empresa. Todos os documentos foram obtidos pelos blog de forma legal.

Ressalte-se que toda a operação feita pela empresa N & N também é legal. Resta saber se podem haver questionamentos sob o pontos de vista dos regulamentos da Fifa com as demonstrações de que a operação começou a ser montada por Neymar pai antes da autorização, e de que o jogador já tinha até minuta de contrato de trabalho com o Barcelona.

O presidente do Santos, Odílio Rodrigues, e a assessoria do clube foram procurados durante toda a tarde de terça-feira. Não responderam nem a ligações, nem a mensagens enviadas pela reportagem. O representante do Barcelona afirmou que não se pronunciaria sobre o caso.

Sobre o Autor

Nascido no Rio de Janeiro, em 1977, Rodrigo Mattos estudou jornalismo na UFRJ e Iniciou a carreira na sucursal carioca de “O Estado de S. Paulo” em 1999, já como repórter de Esporte. De lá, foi em 2001 para o diário Lance!, onde atuou como repórter e editor da coluna De Prima. Mudou-se para São Paulo para trabalhar na Folha de S. Paulo, de 2005 a 2012, ano em que se transferiu para o UOL. Juntamente com equipe da Folha, ganhou o Grande Prêmio Esso de Jornalismo 2012 e o Prêmio Embratel de Reportagem Esportiva 2012. Cobriu quatro Copas do Mundo e duas Olimpíadas.

Sobre o Blog

O objetivo desse blog é buscar informações exclusivas sobre clubes de futebol, Copa do Mundo e Olimpíada. Assim, pretende-se traçar um painel para além da história oficial de como é dirigido o esporte no Brasil e no mundo. Também se procurará trazer a esse espaço um olhar peculiar sobre personagens esportivas nacionais.