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Rodrigo Mattos

'Jamais aceitaria', diz Zico sobre dinheiro recebido por Platini da Fifa

rodrigomattos

18/10/2015 06h00

Pré-candidato à presidência da Fifa, e vindo de fora do sistema, Zico trabalha em meio à incerteza pelos escândalos para obter as cinco cartas de apoio para registrar chapa. Até por isso é cauteloso ao analisar a situação delicada de políticos da entidade como o presidente da UEFA, Michel Platini, e o presidente da CBF, Marco Polo Del Nero.

Mas, em entrevista por telefone ao blog, não deixa de fazer suas críticas a atuação dos dois, assim como ao sistema da Fifa. Afirmou que jamais aceitaria um pagamento como o recebido por Platini da Fifa, em 2011, por considerar que não cabe a um dirigente na presidência da UEFA. Mas faz elogios à gestão do francês, que classifica como amigo.

Em relação a Del Nero, que lhe prometeu uma das cinco cartas, ele afirmou que ainda é cedo para julgar sua gestão apesar de o seu vice-presidente José Maria Marin estar preso. Ressaltou, no entanto, que não considera ideal que ele não viaje para o exterior para representar o país em reuniões da Fifa e com a seleção.

Para a Fifa, quer uma democratização com participação de jogadores na eleição, mais transparência e tecnologia no jogo. E conta que seu trabalho de 45 anos no futebol o credenciam a ser candidato.

Blog: Qual a perspectiva de sua candidatura obter as cinco cartas de apoio de federações nacionais?

Zico: Hoje, a gente não tem muita coisa principalmente por causa dos problemas que aconteceram na última semana. Todo mundo está sem tomar decisão nenhuma. Um sistema já estava todo com compromisso principalmente no caso do Platini. Isso tudo vai por água abaixo. Haverá reunião na UEFA e na Fifa. O comprometimento era total (com Platini). A possibilidade de vitória era total dele. Agora, ninguém vai tomar uma decisão sem analisar melhor as coisas, quem estará na disputa, se a data será 26 outubro. Estamos tentando colocar nossas posições para eles.

Blog: O senhor foi à Conmebol para tentar apoio?

Zico: Antes, não. Del Nero me falou que eles já estavam com Platini. Ele teve um acordo especial comigo que se apresentasse as quatro cartas estaria comigo. Ele ligou para presidente da confederação (Conmebol) que confirmou que estava com o Platini.

Blog: Com tudo que foi revelado (pagamento feito pela Fifa sem contrato a Platini), o senhor entende que Platini tem condições de ser candidato?

Zico: Não sei. Não sei como foi feito o acordo (entre eles e Blatter) para o pagamento, se cargo permite ou não. É presidente da UEFA e fez um acordo particular. Não sei até que ponto isso pode. Tem que ser esclarecido, apurado. Tem a parte moral e ética. Isso tem que ser esclarecido.

Blog: O senhor faria um acordo com aperto de mão para receber um dinheiro da Fifa sem contrato?

Zico: Jamais. Existem certos cargos em que você pode perder (dinheiro). Perdi meus contratos publicitários quando fui secretário de esporte. Tinha dois contratos publicitários e rompi, e a própria empresa não quer mais. Em uma Fifa, na UEFA, onde não tem gasto nenhum pessoal, acho que não cabe. Agora tem que saber se o cargo permite, se a entidade permite isso. Não vou julgar uma coisa que não sei. Platini é um cara que gosto e que admiro. Faz um trabalho bom na UEFA, trabalho que desenvolve o futebol, como técnico. Lamento bastante.

Blog: Ficou chateado quando ele o ironizou por não ter as cinco cartas de apoio?

Zico: Não fiquei chateado. Falei com ele depois.

Blog: O que deveria mudar no sistema eleitoral da Fifa?

Zico: Deveria haver participação irrestrita do mundo do futebol, jogadores, jornalistas, dirigentes. Todo mundo tem que participar. Acho que (jogadores) deveriam ter voto. Isso está na proposta que eu queria para a própria CBF, primeira, segunda, terceira divisão, pessoas que tiveram história no futebol. Gostaria muito de ter o Pelé como eleitor da confederação, um Emerson Fittipalidi, no automobilismo, Guga, no tênis.

Blog: Por que o senhor não tentou antes a CBF em vez da Fifa?

Zico: Em função dessa dificuldade de ser necessário apoio. É muito pior do que a Fifa. Só podem ser no máximo três candidatos. Aumentou com série D, mas ainda tem que ser regulamentada. Valeria só para daqui a três anos. A possibilidade de Del Nero ficar por três mandatos é muito grande. Quando se está no poder, você consegue com conversas, com o modo de trabalhar, e fica.

Blog: Mas a gestão da CBF com Del Nero é boa?

Zico: Sou contra qualquer continuísmo. Não sou contra Del Nero. Dois meses de gestão é pouco para julgar a gestão. (Está desde abril no cargo)

Blog: Mas ele era o vice-presidente de José Maria Marin…

Zico: Gestão dele é dele.

Blog: Não é ruim que ele não viaje para o exterior para representar o país na Fifa?

Zico: Não é o ideal. É sempre bom ter o representante maior do país nesta situação como essa. Deve ter seus motivos. A presença nas eliminatórias com a seleção é sempre importante ter o presidente. Eu, quando era jogador, gostava de ter o presidente para falar alguma coisa, dar um apoio.

Blog: O que o senhor faria de reforma da Fifa se ganhasse?

Zico: Tudo onde pode haver a corrupção tem que ser atacado. Escolha das sedes da Copa é uma delas. Direitos de televisão é o mais que um briga. Tecnologia tem que fazer parte do futebol, Fifa tem que apoiar em todos os sentidos. Não pode se dar ao luxo de acabar com um trabalho com uma série de erros de arbitragem. Uma transparência maior, você tem que abrir. O mundo do futebol tem que saber o que a Fifa faz. Qual o trabalho dela, e não só na Copa.

Blog: O modelo da Copa em que o país banca a maior parte dos gastos e Fifa lucra é correto?

Zico: O povo tem que participar. Não pode ter duas ou três autoridades que aprovem e o país ser contra. E não pode privilegiar um país que não tem futebol. Qatar ganhou uma Copa e não tem futebol. Tem que analisar esses pontos dele. Será que o Qatar fez tanta coisa no futebol a ponto de mudarmos até o calendário para jogar lá?

Blog: O que o credencia para ser presidente da Fifa?

Zico: 45 anos de futebol em três continentes, dentro e fora de campo. Não preciso enumerar a minha história no futebol. Acho que existem certas pessoas no futebol como eu que estou no futebol trabalhando e cumprindo meu contrato. Isso já me credencia.

Blog: Conversou com outros candidatos que se candidataram antes como Figo? Em que sua candidatura é diferente?

Zico: Tive mais espaço pelas coisas que aconteceram. Peguei o momento em que vieram esses escândalos. De espaço na mídia, o Figo teve menos para colocar todos esses pontos. Uma das situações quando comecei a minha candidatar foi quando fui perguntado sobre o Figo. E eu falei que, sim, o apoiava porque tinha capacidade para esse cargo. E pensei: por que não me candidatar também? O problema do Figo mostrou como estava o sistema e eu tinha chance de expôr isso.

Blog: A candidatura valeu mesmo que não obtenha as cinco cartas de apoio?

Zico: Já valeu por toda a movimentação por todas as partes do mundo com toda a gente. Jogadores, pessoas do futebol, acho que isso valeu muito à pena. É seguir em frente. Não tinha pretensão de ser candidato da Fifa, queria ver a entidade mudar, poderia ser com outro. Não precisa ser eu.

Sobre o Autor

Nascido no Rio de Janeiro, em 1977, Rodrigo Mattos estudou jornalismo na UFRJ e Iniciou a carreira na sucursal carioca de “O Estado de S. Paulo” em 1999, já como repórter de Esporte. De lá, foi em 2001 para o diário Lance!, onde atuou como repórter e editor da coluna De Prima. Mudou-se para São Paulo para trabalhar na Folha de S. Paulo, de 2005 a 2012, ano em que se transferiu para o UOL. Juntamente com equipe da Folha, ganhou o Grande Prêmio Esso de Jornalismo 2012 e o Prêmio Embratel de Reportagem Esportiva 2012. Cobriu quatro Copas do Mundo e duas Olimpíadas.

Sobre o Blog

O objetivo desse blog é buscar informações exclusivas sobre clubes de futebol, Copa do Mundo e Olimpíada. Assim, pretende-se traçar um painel para além da história oficial de como é dirigido o esporte no Brasil e no mundo. Também se procurará trazer a esse espaço um olhar peculiar sobre personagens esportivas nacionais.