Ajuda federal ao Rio nos Jogos teve manobra para fugir da lei fiscal
O socorro do governo federal ao Estado do Rio de Janeiro para a Olimpíada só foi possível graças ao uso da emergência dos Jogos e ao decreto de calamidade pública. Isso porque o governo estadual estava inadimplente com a União e portanto essa ajuda iria ferir a lei de responsabilidade fiscal, segundo especialistas. O decreto permitiu criar uma situação excepcional e escapar dos rigores da legislação.
Como mostrou o blog, o Rio de Janeiro dá calote desde de 16 de maio no empréstimo tomado ao BNDES para a reconstrução do Maracanã. É a própria União que banca esses valores como garantidora da dívida. Pois bem, em 21 de junho, o então presidente interino Michel Temer assinou uma Medida Provisória para liberar R$ 2,9 bilhões para o Rio com a alegação de emergência pela Olimpíada.
O advogado tributarista, Roberto Minoru Takii, afirmou que "em condições normais, a União não poderia realizar a transferência voluntária de recursos ao Estado do RJ, pois a Lei de Responsabilidade Fiscal (LC 101/2000) exige que o tomador comprove estar em dia com empréstimos e financiamentos devidos ao ente transferidor". Mas ressaltou que essa vedação cai em situações extraodinárias como a decretação de calamidade pública.
"Como as Olimpíadas foram de interesse nacional (e não exclusivamente do Rio de Janeiro) e havia, ainda, a situação decretada de calamidade pública, existia motivação e justificação legal para que a União fizesse o repasse de verbas pela via do crédito extraordinário. Se essas premissas não existissem, de fato, haveria a violação à Lei de Responsabilidade Fiscal. Porém, dentro do cenário traçado, não vislumbro a ocorrência de ilegalidade", disse ele.
É posição parecida a do advogado Rubens Beçak, que é mestre em direito constitucional pela USP. Segundo ele, embora o BNDES não seja um órgão da administração direta do governo, seus recursos são federais.
"É uma pedalada tecnicamente. Ocorre uma inadimplência e não poderia tomar novo dinheiro. Isso é meio claro", contou o professor. Mas, ao ser questionado se a medida configuraria uma quebra da lei fiscal, ele disse que depende do entendimento e que a Olimpíada serve como justificativa.
"Sim e não. Se você perguntar se é um empréstimo normal, existe um erro de não ver que é inadimplente (o Rio). Portanto, qualquer repasse seria um ilícito administrativo. Mas vendo a situação de emergência do Rio sem recursos para saúde e em colapso em suas atividades, e a proximidade da Olimpíada, se justificaria pela emergência, pela excepcionalidade", afirmou Beçak.
Sem a situação excepcional da Olimpíada, o professor de direito alegou que seria o caso de apuração de crime político como ocorreu com a ex-presidente Dilma Rousseff.
Já o economista Raul Velloso, especializado em administração pública, disse que é errado o governo federal dar mais dinheiro para quem já está inadimplente. Mas não soube dizer se isso feria a lei de responsabilidade fiscal, e também lembrou que houve situação excepcional pela Olimpíada e pela crise.
"Está todo mundo quebrado. Faz parte os Estados irem testando parar de pagar para ver o que acontece. Em geral, não pagam fornecedores. O Rio já não pagou funcionários", contou ele. "Na crise da Olimpíada, (se não desse dinheiro) isso traria um prejuízo para o país."
A assessoria da secretaria de Fazenda do governo estadual do Rio entende que não há vedação para receber recursos da União apesar da inadimplência. "Quanto à inadimplência junto ao Governo Federal, há que se destacar que a operação foi garantida pela União. Diariamente ingressam recursos na conta única provenientes de arrecadação e esses recursos são usados para quitar estas dívidas, ainda que sejam disponibilizados aos poucos, à medida que ingressam", disse a assessoria.
O blog enviou perguntas para a Casa Civil sobre o pagamento extra para o Rio de Janeiro apesar da inadimplência, mas não obteve respostas até a noite de quinta-feira.
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