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Rodrigo Mattos

O que a Itália tem a ensinar e aprender com Brasil sobre clima em estádio

rodrigomattos

13/11/2016 06h00

Nas recentes férias, como fui para Itália, aproveitei para ir a um jogo da Série A do país, um Napoli e Lazio, no histórico San Paolo. Há bastante diferença no clima no estádio em relação ao que vemos no Brasil, tanto pelas arenas serem muito velhas quanto em relação ao tratamento da torcida. Relato aqui as características, algumas positivas e outras negativas.

Primeiro, a compra de ingresso. Já sabia de antemão que por lá persiste a compra em bilheteria física misturada com a internet. Fui ao estádio logo que cheguei em Nápoles, pois o jogo era no mesmo dia.

As bilheterias não abriram na hora prometida (9h30) e houve até um episódio engraçado por que esperei a loja oficial abrir junto com uma vendedora. "É a Mônica que tem a chave", explicou a vendedora. Logo depois chegava a Mônica pedindo desculpas pelo atraso.

Para comprar o ingresso, é obrigatória a apresentação de identidade e seu nome é registrado lá. Isso ocorre em alguns estádios do Brasil. A diferença é que por lá a identificação é cobrada na compra e na entrada, sem choro.

Um fator positivo que acaba com as desculpas de dirigentes de que é impossível barrar a entrada de brigões. Todo mundo mostra, o porteiro confere e isso não impediu que 40 mil acessassem o estádio sem problemas.

Fui no setor "Distinti Superiore" que é no meio do campo por que estava com a minha mulher que gosta de futebol, mas não curte lá muito ficar perto de organizadas. Os Ultras, organizadas italianas, estavam dos dois lados ao fundo, nos setores chamados Curva A e B. No meio, fica aquela galera do "amendoim", bem fanática, mas que reclama mais do que grita.

O estádio é bem velho, como já não se vê por aqui. Lembra um pouco o Maracanã ou o Mineirão antigos. Particularmente, eu gosto deste tipo de estádio, mas reconheço que é bem mais desconfortável que os nossos. E tem um problema sério: há uma pista de atletismo que deixa a torcida bem longe do campo. É a única recomendação da Fifa para estádios que faz sentido: tirem a pista.

Um alívio é ver as bandeiras em todos os setores (muitas com a cara de Maradonna, obviamente), sendo que foram banidas em boa parte dos estádios brasileiros. As hastes parecem bem mais flexíveis do que as das bandeiras brasileiras, o que dificulta que sejam usadas como arma. Talvez, fosse uma solução para a volta do artefato que é imprescindível para o clima do estádio. Houve ainda luminosos, vetados no Brasil, e não fizeram nenhum mal a ninguém. É uma questão de qual tipo se permite no estádio.

A festa da torcida do Napoli nas Curvas é belíssima. Gritam o tempo inteiro, esteja o time mal ou bem. Verdade que há uma divisão entre as duas "curvas", e elas nunca cantam junto. Não ignoro que os problemas de violência por lá são tão ou mais graves dos que os brasileiros.

Os Ultras do Napoli são conhecidos pela violência e até suspeitas de envolvimento com a máfia. No jogo contra a Lazio, a torcida visitante é proibida pela rivalidade entre os dois lados. Os torcedores do time romano já distilaram preconceito contra os sulistas que os odeiam. Nem sequer um torcedor comum da região do Lazio, que abriga Roma, pode comprar ingresso. Na arquibancada do Napoli, havia faixa por liberação de Fulvio, um líder da organizada napolitana preso.

Com o estádio velho, os ingressos são bem mais baratos do que no Brasil considerado o poder aquisitivo da população. Paguei € 25,00 (pouco menos de R$ 90,00) pelo ingresso no meio do campo no alto, o que vale R$ 100,00 no Maracanã por exemplo, e mais em outros estádios. Lembre-se que lá o salário é mais alto.

Apesar do lugar nobre, não há assento marcado. Vimos até uma cena bizarra de um torcedor que quase foi expulso do estádio pelo funcionário do Napoli porque exigia sentar no banco marcado. Prevalecia o assento marcado por jornal de quem senta primeiro. Aqui, a maioria dos lugares também não respeita à marcação ao contrário do que prega lei. Admito que tenho posição dúbia sobre o assunto: não acho tão imprescindível, mas pode ser usado em alguns setores.

Apaixonados por futebol, os napolitanos têm um comportamento de torcedor mesmo e não aquele clima turístico de grandes times como Barcelona. Do meu lado, um homem de seus 40 anos levou um apito para o jogo para tentar desequilibrar os jogadores rivais. Ele apitava cada vez que a zaga da Lazio tocava a bola. Vi outros exemplos de figuras divertidas e a maioria era de torcedores do Napoli sem turistas.

Isso, aliás, é o maior ensinamento da Itália para o Brasil. A preservação de um ambiente autêntico de torcida de futebol como ocorria até aí o meio da década passada. Era o que eu vivenciava na arquibancada de cimento.

Sou favorável, sim, à modernização dos estádios e à melhoria dos serviços aos espectadores, o que a Itália, por exemplo, ainda precisa fazer. E entendo que são necessárias algumas medidas repressivas para evitar casos de violência. Mas é bastante possível fazer isso em equilíbrio com a manutenção da chama da torcida de futebol viva no estádio.

PS O jogo foi de qualidade baixa: um empate em 1 a 1 em que o Napoli dominou, mas com dificuldades de articular jogadas ofensivas. Destaque para o meia Hamsyk, do Napoli. Fora da seleção no momento, Felipe Anderson teve atuação muito apagada, jogando como ponta direita recuado.

 

 

Sobre o Autor

Nascido no Rio de Janeiro, em 1977, Rodrigo Mattos estudou jornalismo na UFRJ e Iniciou a carreira na sucursal carioca de “O Estado de S. Paulo” em 1999, já como repórter de Esporte. De lá, foi em 2001 para o diário Lance!, onde atuou como repórter e editor da coluna De Prima. Mudou-se para São Paulo para trabalhar na Folha de S. Paulo, de 2005 a 2012, ano em que se transferiu para o UOL. Juntamente com equipe da Folha, ganhou o Grande Prêmio Esso de Jornalismo 2012 e o Prêmio Embratel de Reportagem Esportiva 2012. Cobriu quatro Copas do Mundo e duas Olimpíadas.

Sobre o Blog

O objetivo desse blog é buscar informações exclusivas sobre clubes de futebol, Copa do Mundo e Olimpíada. Assim, pretende-se traçar um painel para além da história oficial de como é dirigido o esporte no Brasil e no mundo. Também se procurará trazer a esse espaço um olhar peculiar sobre personagens esportivas nacionais.