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Rodrigo Mattos

Brasil deve vender melhor jogadores para crescer renda, diz cartola da UEFA

rodrigomattos

28/01/2017 04h00

Responsável pelo setor de licenciamento da UEFA, o inglês Sefton Perry viajou ao Brasil para falar em palestra na CBF sobre o sistema que vai ser implantado no país. Estudioso, ele analisou as finanças dos times brasileiros. Em entrevista ao blog, ele defendeu que a venda de jogadores bem feita é o grande trunfo dos clubes nacionais para reduzir a diferença financeira para a Europa.

Ao analisar as receitas dos brasileiros, Perry disse que a situação financeira não é das piores. Mas reconheceu que aumentou a diferença para os europeus com a queda do Real frente ao Euro. Esse abismo é maior em relação a superpotências como Real Madrid, Barcelona e Bayern.

Ele afirmou que o maior potencial do Brasil é explorar com mais eficiência a negociação de atletas. Sua avaliação é de que os brasileiros não deveria permitir o fatiamento dos jogadores para obter lucros maiores em sua saída para fora.

Em sua entrevista, ele ainda trata do novo modelo da Libertadores, da necessidade de restrição aos superclubes para manter algum equilíbrio esportivo e sobre o licenciamento de clubes.

Blog: Por que as receitas dos grandes clubes europeus cresceram tanto nos últimos anos?

Sefton: O grande motivo são as receitas comerciais e patrocínio serem bem mais altas. Têm dobrado a cada dois anos. Com a tecnologia, os clubes conseguem monetizar melhor seus consumidores. No final, as marcas líderes só querem se associar com os times líderes. Na maioria dos negócios, você acaba com seis empresas. Futebol não é assim. Mas quando se trata de marcas vai gravitar para seis. Isso acontece mais. Clubes têm sido espertos em aumentar as receitas. Eles profissionalizaram e contrataram pessoas boas para explorar a marca.

Blog: As receitas vêm de fora da Europa ou da Europa?

Sefton: A maior parte ainda vem da Europa, mas cada vez mais vem de fora da Europa. O crescimento é fora da Europa. Muitos patrocinadores nem estão interessados nos torcedores ingleses. O patrocinador do Liverpool o contratou porque o clube tem uma das cinco marcas mais famosas na Asia, e estão interessados nisso.

Blog: Alguma coisa que a UEFA possa fazer para tentar minimizar o poder desses clubes globais nas competições? Uns três ou cinco clubes têm se distanciado bastante dos outros…

Sefton: Nós na UEFA precisamos trabalhar com a Fifa para botar um limite no abastecimento do número de jogadores. Em outras palavras, limite para elencos. Fair play tem limite de 25, mas ainda não foi aplicado. Um limite de 25 desta forma é muito mais poderoso. Não importa quanto mais dinheiro os grandes clubes tenham. Agora eles têm quatro vezes o valor dos outros. Em três anos, eles podem ter dez vezes mais. Mas a distância não vai aumentar porque eles ainda vão ter os melhores 25 jogadores. Vão pagar mais para eles. Não estou preocupado que fique pior desde que gerenciemos o sistema em volta dos jogadores. Para que os grandes clubes não assinem com os 50 jogadores melhores e fiquem com eles na reserva. No final, terão de incluir jogadores da base. Por que tudo que têm feito é comprar jogadores. Eles precisam desenvolver mais jogadores. Em relação às finanças, não podemos fazer muito, não foi a UEFA que criou. (Na Liga dos Campeões já existe limite de 25 jogadores e exigência de número mínimo de atletas da base)

Blog: É um mercado livre

Sefton: Sim, um mercado livre. Você pode argumentar ainda que (para conter os superclubes) estamos estruturando o futebol, selecionando as vendas de jogadores, limitando o número de times por país a Liga dos Campeões. Já estamos fazendo algumas coisas para conter.

Blog: Diferente do que estamos fazendo na América do Sul onde incluímos sete times brasileiros na Libertadores.

Sefton: É. Isso torna a Série A menos interessante. Uma das coisas da Liga dos Campeões é não só a própria competição, mas o que faz para o campeonato nacional. No final do campeonato, às vezes, é mais excitante saber quem vai acabar no quarto ou no quinto lugar do que saber quem vai ganhar. Porque o vencedor é conhecido. Se não há diferença entre chegar em quatro ou sétimo…

Blog: E a Conmebol fez pensando em copiar a Liga dos Campeões. Não parece fazer sentido.

Sefton: Não tem nada a ver comigo. Mas, sob o ponto de vista esportivo, uma Liga dos Campeões da América faria sentido. Politicamente é difícil.

Blog: Teria a distância também como complicador…

Sefton: Para mim, a questão é a diferença de culturas. A coisa mais interessante no futebol não é Real Madrid, Barcelona, Bayern. Mas toda a atividade tem alguns melhores do que outros, cantores, banqueiros. Não é a questão dos melhores, mas que na Europa há 1.500 clubes. Você pode formar um time com seus colegas e estar jogando a Copa algum dia. Essa pirâmide que queremos preservar. Na América, eles tem o esporte como entretenimento. Sobre o ponto de vista do negócio, o modelo europeu não faz sentido. Mas é uma questão filosófica. Claro que temos problemas.

Blog: O senhor estava comparando o crescimento da receita do Brasil com o dos Europeus e disse que o Real teve grande impacto nisso. Qual o tamanho da diferença?

Sefton: Tem efeito e não tem. Para os clubes brasileiros não deveria fazer muita diferença porque os custos são em real. E os ganhos são em real. É mais simples do que na Europa.

Blog: Mas se o time brasileiro tentar tirar um jogador da Europa vai fazer diferença.

Sefton: Claro, se você oferece um salário e há uma competição com um time europeu ou da América, irá fazer diferença. Neste caso, tem uma desvantagem.

Blog: O senhor analisou algumas contas de clubes brasileiros. Comparando com a Europa, qual o efeito que o licenciamento de clubes pode ter nessas contas?

Sefton: Não estudei com detalhe. Já tenho que fazer com 700 clubes europeus. Os clubes brasileiros são bem diversos em receias. Eles têm patrocinadores, uma audiência média (público no estádio) em torno de 20 mil por jogo, TV decente, transferências, doações. Atualmente, em relação às receitas, os clubes brasileiros são bem diversos. As finanças dos clubes brasileiros… eu já vi piores. O que o governo fez e os problemas passados nas dívidas fiscais tiveram que resolver (com o Profut). Mas, se você olhar atualmente, não é o pior. A vergonha para mim é que o Brasil é o número 1 do mundo em exportar jogadores, e quando você vê agentes, pais, tendo os direitos comerciais desse jogador, os clubes não se beneficiam de serem o número 1. Você não pode assinar com atletas com 16 anos. Se os clubes brasileiros puderem receber toda a receita dos jogadores que eles vendem, eles serão muito mais saudáveis do que eles são agora. A tentação é sempre conseguir um pouco de dinheiro agora em vez de muito no futuro. Esse é o problema no Brasil. Não sei o que deve fazer. Se trabalhar com o governo e com a CBF para tentar resolver.

Blog: Os contratos são limitados a três anos para jovens e cinco para os outros. Estão tentando mudar essa realidade.

Sefton: A questão do contrato de cinco anos é em todo lugar. Mas falo com os amigos brasileiros e os clubes não consegue reter o dinheiro da transferência. Havia a TPO (Terceira Parte com direitos sobre jogador) e agora é ilegal. Mas há outros mecanismos financeiros que têm sido usados. Futebol brasileiro tem que tentar recuperar. Clubes treinam os jogadores e não se beneficiam. Não é uma boa situação.

Blog: O crescimento das receitas dos clubes brasileiros foi até superior ao europeu em termos percentuais nos últimos dez anos.

Sefton: Temos que levar em conta a inflação que na Europa não existe e aqui é alta. Mas os números são bons (de receita)​. Vemos coisas interessante em TV com uma concorrência pelos direitos com a Globo o que deve aumentar as receitas. O público médio de 15 mil poderia ser bem maior. Mas os jogos não são terríveis. Fui ao Morumbi e o sistema funciona.

Blog: Quanto tempo o senhor entende que o licenciamento terá impacto no futebol brasileiro?

Sefton: Difícil medir o impacto. Mas o que faz é dar a CBF uma oportunidade de provar que há uma parceira com credibilidade para os clubes. Quando implementa o sistema, é difícil e você tem que ser bem profissional. Se os clubes e a associação tiverem segurança, essas coisas vão melhorar. Sem confiança é difícil desenvolver. Tem melhorado em toda a América do Sul, muitas pessoas novas com ideias novas vindo à frente. Há pessoas novas. Terá benefício, mas não será fácil.

Blog: Na UEFA, os julgamentos dos clubes por não cumprir as regras de licença são feitos de forma independente? 

Sefton: Sim, todos os dois painéis são de pessoas independentes que não têm relação com os clubes. Nós indicamos essas pessoas, mas essas pessoas têm trabalhos mais importantes do que esse e podem sair quando quiserem. É importante conseguir boa gente. Não sei como vão fazer aqui. Mas há muita gente esperta na América do Sul que entende o futebol. Mas é importante porque a parte política pode danificar o sistema. Nós tivemos problemas desse tipo na Europa e botamos pressão sobre as federações. Eles são independentes, o comitê de julgamento. Algumas federações resistem e temos que botar pressão como UEFA. (Atualmente, a maioria dos países europeus têm o sistema de licenciamento, inclusive em nível nacional. Alguns já têm até clubes da Terceira Divisão. O Brasil começará para 2018)

Sobre o Autor

Nascido no Rio de Janeiro, em 1977, Rodrigo Mattos estudou jornalismo na UFRJ e Iniciou a carreira na sucursal carioca de “O Estado de S. Paulo” em 1999, já como repórter de Esporte. De lá, foi em 2001 para o diário Lance!, onde atuou como repórter e editor da coluna De Prima. Mudou-se para São Paulo para trabalhar na Folha de S. Paulo, de 2005 a 2012, ano em que se transferiu para o UOL. Juntamente com equipe da Folha, ganhou o Grande Prêmio Esso de Jornalismo 2012 e o Prêmio Embratel de Reportagem Esportiva 2012. Cobriu quatro Copas do Mundo e duas Olimpíadas.

Sobre o Blog

O objetivo desse blog é buscar informações exclusivas sobre clubes de futebol, Copa do Mundo e Olimpíada. Assim, pretende-se traçar um painel para além da história oficial de como é dirigido o esporte no Brasil e no mundo. Também se procurará trazer a esse espaço um olhar peculiar sobre personagens esportivas nacionais.