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Rodrigo Mattos

Nova Conmebol pagou advogado de ex-presidente preso e o usou na gestão

rodrigomattos

17/02/2017 04h00

Recido de pagamento da Conmebol para advogado que defende ex-presidente preso

Em sua atual gestão, a diretoria da Conmebol (Confederação Sul-Americana de Futebol) continuou a pagar para um dos advogados pessoais do ex-presidente Juan Angel Napout, preso nos EUA acusado de lesar a entidade no escândalo da Fifa. Mais, esse advogado, chamado Esteban Burt, tornou-se um influente conselheiro do novo presidente, Alejandro Dominguez, opinando sobre estatuto e contratos da confederação. Ou seja, de junho de 2015 até abril de 2016, defendeu a entidade e o ex-dirigente detido ao mesmo tempo.

Essas informações constam de depoimentos e documentos no processo judicial nos EUA contra Napout, parte do "caso Fifa" em que se discute acesso a determinados dados da Conmebol. O conflito de interesses causou irritação em procuradores norte-americanos. A juíza do caso, Pamela K Chen, afirmou ser difícil que houvesse um objetivo comum entre o ex-presidente preso acusado de roubo da Conmebol e a própria entidade que se diz vítima no processo.

Esteban Burt recebeu 10 pagamentos da Conmebol em valores que variavam de US$ 22 mil a US$ 38 mil, em um total de aproximadamente US$ 300 mil. Os pagamentos constam no processo e a prestação de serviços descritos é de "aconselhamento à presidência", entre outros itens. O advogado alega que recebia em separado de Napout por serviços pessoais no processo criminal.

A dupla função de Burt e o seu envolvimento com o novo presidente da Conmebol foram revelados em testemunhos em outubro de 2016: Alejandro Dominguez foi citado 69 vezes nos depoimentos. Desde que assumiu, Dominguez tenta se desvincular da gestão de Napout de quem admite ser amigo, e afirmou que a entidade vive uma nova era de transparência. Essa relação com o advogado do ex-presidente, no entanto, nunca foi revelada. Abaixo o relato cronológico do caso com a crise da Conmebol.

PRIMEIRAS PRISÕES DO CASO FIFA

A história começa em 27 de maio de 2015, data que o FBI fez a primeira série de prisões de dirigentes da CBF, da Fifa e da Conmebol acusados de receber propina em contratos. Napout não estava entre eles. Mas, em seguida, ele fez a Conmebol contratar um advogado, o paraguaio Esteban Burt, para se precaver sobre os efeitos do escândalo em sua gestão.

Quem lhe indicou o advogado foi Alejandro Dominguez que tinha contratado o próprio para negócios pessoais alguns dias antes. Então, a partir de junho de 2015, Burt passa a trabalhar ao mesmo tempo para a Conmebol, para seu então presidente Napout e para o futuro Dominguez.

Em seguida, Napout descobre que é investigado pelo Departamento de Estado dos EUA. Isso reforçaria a necessidade de ter um advogado ao seu lado. Na versão de Burt, a partir daí, sua função era dar conselhos ao então presidente sobre sua atuação nos negócios da confederação de forma a não complicar sua situação nos EUA. Na prática, ele participava de todos os contratos da entidade, embora negue ter sido advogado da Conmebol.

PRISÃO DE NAPOUT

E assim vai até dezembro de 2015 quando Napout é preso acusado de levar propina por contratos da Conmebol relacionados à Copa América e à Libertadores – era o terceiro presidente detido. Esteban Burt estava com o dirigente da confederação na Suíça quando ele foi detido por policiais suíços. Ele afirmou que continuou a prestar serviços para o dirigente em dezembro e cobrou por isso.

"Sim, eu estava com o senhor Napout. Ele ainda era o presidente da Conmebol em todas as suas atividades. A principal coisa eram assuntos da Fifa porque ele estava sendo preso…", contou Burt à Justiça. Em 17 de dezembro, com Napout preso, o advogado recebeu mais um pagamento, o segundo naquele mês. Pela primeira vez, o cheque não era assinado por Napout porque ele estava na cadeia suíça.

NOVO PRESIDENTE DA CONMEBOL

Em janeiro de 2016, a Conmebol se prepara para a eleição do novo presidente. Alejandro Dominguez é o favorito, mas está como medo de se meter no caso Fifa. Em seu depoimento à Justiça, o advogado Micheal Kendall, que defendia a Conmebol na época, afirmou ter conversado com o novo presidente sobre o assunto.

"Primeiro, eu recebo uma ligação de Esteban em algum momento de janeiro. Ele disse que Alejandro Dominguez vai concorrer para presidente, mas ele está com medo que, se for eleito, a corte de Nova Iorque vai mira-lo por ser presidente. Você poderia falar com ele. E eu disse, claro. Ele é um cara muito honesto. Ele, todo mundo sabe, é um cara honesto. Não há nada pelo que ele deveria estar preocupado. Alejandro me liga e diz, vocé sabe, ele é amigo de Juan (Napout) e ele sente pena", contou Kendall em seu testemunho. Neste momento, ele é impedido de contar toda a conversa por advogados da Conmebol que alegam segredo sobre comunicação com cliente.

Superado o medo, Dominguez ganha a eleição e assume a Conmebol. Uma das suas decisões foi manter o advogado Esteban Burt na folha de pagamento da Conmebol. Em sua versão, ele faria uma assessoria direta a Dominguez.

"O senhor Pappalardo (advogado de Napout) me liga e diz que Esteban quer se tornar o representante de Alejandro (Dominguez) da mesma forma que foi com Juan, aconselhando o como se manter fora de problemas, como lidar com contratos, ter certeza de que não há nenhuma complicação, o que é representação pessoal. Eu disse é uma péssima ideia", contou Micheal Kendall. Ele temia a reação da Justiça dos EUA.

Prevalece a decisão de Dominguez e o advogado Esteban Burt passa a receber pagamentos entre US$ 33 mil e US$ 38 mil por mês da Conmebol na nova gestão. Ele continua como defensor criminal do ex-presidente Napout. Os advogados e Napout dizem que ele só atuava em assistência pessoal aos presidentes, sem representar a própria Conmebol.

Cheque de abril da Conmebol para pagar advogado que defendia ex-presidente preso

Fato é que Burt viajou com Dominguez para reuniões importantes no Rio de Janeiro e na Rússia durante a gestão dele. Ainda participou como conselheiro para mudanças de estatuto da entidade e para o contrato comercial da Copa América Centenario, principal competição da entidade. Ou seja, teve acesso a documentos sigilosos da Conmebol.

A atuação de Esteban Burt ocorreu até abril de 2016 quando foi informado pelo presidente Alejandro Dominguez de que não prestaria mais serviços para ele e a Conmebol. Outro advogado foi contratado, e ele continua defendendo Napout até o momento.

JUÍZA VÊ PROBLEMA NA ATUAÇÃO DE ADVOGADO

Em 19 de janeiro de 2017, a juíza Pamela K. Chen discordou da tese de que Esteban Burt era apenas advogado pessoal dos presidentes. "Após olhar com bastante cuidado a revisão das evidências que estão diante de mim, o peso das evidências indica que Esteban Burt representa o acusado Napout nas suas atribuições individuais e a Conmebol simultaneamente durante esse tempo relevante", afirmou a juíza.

Em seguida, a juíza deixa claro que não tinha como haver um interesse em comum entre a Conmebol e Napout, visto que ele estava sendo investigado justamente por desviar recursos da entidade. Ainda mais porque a entidade se apresenta na corte de Nova Iorque como vítima dos desvios inclusive de Napout.

"Em relação ao segundo assunto, essa corte é realmente cética sobre o agumento do réu (Napout) de que havia um interesse comum de acordo para ser formado (entre Napout e a Conmebol). Eu acho que a maior área de dúvida que eu tenho é sobre um alvo de investigação criminal ter um interesse em comum com uma vítima", afirmou a juíza Pamela K Chen.

E acrescentou que um acordo possível entre as partes permitiria que a Conmebol fosse impedida de ajudar nas investigações do Departamento do Estado. A juíza deixou claro que faria uma decisão por escrito especificando que Esteban Burt atuou como advogado da Conmebol e de seu ex-presidente Napout ao mesmo tempo durante o período de junho de 2015 a abril de 2016. Isso indica que pode haver mais facilidade para procuradores acessarem documentos da confederação.

OUTRO LADO

O blog enviou perguntas para a Conmebol por e.mail para ouvir o presidente Alejandro Dominguez sobre sua relação com o advogado Esteban Burt, com Juan Napout e as consequências para a entidade. Não recebeu resposta. No processo, ele não se manifesta porque não é parte. Advogados da Conmebol tentaram evitar que o nome do presidente fosse citado na ação.

Em seu depoimento, Esteban Burt defende que atuou somente como advogado de Juan Angel Napout como presidente da Conmebol, mas não em defesa da entidade. Segundo ele, recebia e recebe do ex-dirigente em separado pelos serviços na área criminal. Disse que executou a mesma função para Alejandro Dominguez a partir de janeiro de 2016, de novo, sem ser representante da entidade. Sua argumentação é de que são tarefas distintas. Sua firma de trabalho, no entanto, prestava serviços diretamente para a confederação.

Ex-advogado da Conmebol, Micheal Kendeall também afirmou que Burt atuava somente como defensor de Napout. Ele defendeu que a atuação dos advogados foi essencial para que a confederação conseguisse realizar a Copa América Centenário.

Os advogados de Napout são outros favoráveis a tese de que Burt não exerceu dupla função. Napout não confessou culpa e enfrentará o julgamento em novembro, enquanto espera em prisão domiciliar nos EUA. Ele tem que ficar a noite em casa. Antes do julgamento, os advogados do ex-presidente da Conmebol pretendem chegar a um acordo com procuradores sobre o acesso a documentos da Conmebol.

Sobre o Autor

Nascido no Rio de Janeiro, em 1977, Rodrigo Mattos estudou jornalismo na UFRJ e Iniciou a carreira na sucursal carioca de “O Estado de S. Paulo” em 1999, já como repórter de Esporte. De lá, foi em 2001 para o diário Lance!, onde atuou como repórter e editor da coluna De Prima. Mudou-se para São Paulo para trabalhar na Folha de S. Paulo, de 2005 a 2012, ano em que se transferiu para o UOL. Juntamente com equipe da Folha, ganhou o Grande Prêmio Esso de Jornalismo 2012 e o Prêmio Embratel de Reportagem Esportiva 2012. Cobriu quatro Copas do Mundo e duas Olimpíadas.

Sobre o Blog

O objetivo desse blog é buscar informações exclusivas sobre clubes de futebol, Copa do Mundo e Olimpíada. Assim, pretende-se traçar um painel para além da história oficial de como é dirigido o esporte no Brasil e no mundo. Também se procurará trazer a esse espaço um olhar peculiar sobre personagens esportivas nacionais.