Como o escândalo da Fifa ajuda a explicar o abismo entre Real e Grêmio
O Grêmio não é um time qualquer: ganhou a Libertadores com justiça, e é o melhor da América do Sul neste ano. O confronto com o campeão europeu, no entanto, não deu nem jogo: o Real Madrid teve um domínio absoluto e ganhou com facilidade. E não é exceção neste Mundial em que a distância entre os times dos dois continentes só aumenta.
Foi sempre assim? Quando ocorreu este processo? Não, não foi sempre assim. Até a década de 90 os confrontos eram equilibrados, ganhava um europeu um ano, outro sul-americano no seguinte. Veja o caso dos títulos do São Paulo na década de 90, batendo Barcelona e Milan na bola. Mesmo na derrota, era pau a pau.
Os times europeus já eram mais ricos, e já contratavam os melhores daqui. A questão é que nos últimos 15 anos essa disparidade aumentou absurdamente. É só constatar que o Real dispõe de R$ 2 bilhões a mais todo ano em relação ao Grêmio. Por isso, nos últimos dez, 15 anos, os europeus em geral dominam amplamente os jogos, até quando perdem a partida no final.
E isso aconteceu porque os gigantes europeus se tornaram marcas globais durante esse período e passaram a arrecadar dinheiro em todo planeta, enquanto times sul-americanos se limitam a mercados locais. É só ver os garotos com a camisa do Barcelona nas ruas do Brasil.
Essa expansão de marca se deu justamente no boom da Liga dos Campeões, competição que a UEFA mudou de cara na década de 90, e se tornou a mais importante de clubes durante os últimos 15 anos. Localmente, as ligas nacionais se profissionalizaram também a ponto de a Premier League se tornar o que é hoje, o campeonato mais rico do mundo de um país.
E o que fazia a Conmebol e a América do Sul neste período? Foi justamente o período em que o FBI revelou que os cartolas da confederação sul-americana venderam os direitos da Libertadores para quem lhes pagou propina. Não faziam concorrência, e assim arrecadavam menos para os clubes.
Pior, nunca deram ao campeonato a promoção para tentar torna-lo global. Os cartolas estavam mais preocupados em encher os bolsos do que em promover o futebol sul-americano, que foi ficando para trás. Poderiam ter expandido para os EUA, para o México, criar uma marca continental. Nada disso foi feito.
Dentro do Brasil, o processo era parecido. A investigação do Departamento de Estado dos EUA revelou que Ricardo Teixeira levava propina pela Copa do Brasil, e depois José Maria Marin e depois Marco Polo Del Nero. De novo, o campeonato era mal vendido, gerava menos dinheiro para os clubes.
A liga brasileira sempre foi sufocada por um sistema que não queria os times fora das asas desses cartolas da CBF. Sim, houve um salto de receita dos clubes brasileiros nos últimos dez anos, até proporcionalmente maior do que dos europeus. Mas dentro de um mercado limitado, pois o Brasileiro nunca se tornou global.
Não é só, claro, culpa de corrupção. A América do Sul tem menos dinheiro do que a Europa, e a Libertadores nunca será igual a Liga dos Campeões financeiramente. Mas a diferença poderia ser muito menor se o continente americano tivesse aproveitado a globalização como fizeram os europeus nos últimos 15 anos.
Os times da América do Sul são celeiros de jogadores talentosos. Se tivessem força financeira, poderiam segurar por mais tempo seus jogadores e tornar a Libertadores e os campeonatos locais bem mais atrativos. E possivelmente teriam força como tinham na década de 90 de enfrentar os rivais europeus. Com desvantagem, mas com possibilidade de vencer.
Por isso, a derrota do Grêmio – digna, mas sem nenhuma chance de vencer – tem muita relação com algo que ocorreu no dia anterior: a suspensão do presidente da CBF, Marco Polo Del Nero, por suspeita de corrupção.
Claro, haverá quem apresente um argumento bem forte contra esse tese de que o presidente da federação espanhola, Angel Maria Villar, também está envolvido em casos de corrupção, assim como Michel Platini ex-presidente da UEFA. Não há santos entre os cartolas europeus.
Mas a questão é que os casos em que eles são suspeitos não envolviam a organização dos campeonatos em si, alicerçadas em premissas profissionais. Não havia uma estrutura de contratos das competições construídas para favorecer cartolas, e tirar dinheiro dos clubes como ocorreu na América do Sul. E isso faz toda a diferença… em campo como se viu.
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