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Rodrigo Mattos

Ameaça da TV aos Estaduais só reflete desinteresse do público

rodrigomattos

19/01/2019 04h00

Os Estaduais começam em 2019 com seu tamanho e modelo sob questionamento pela intenção velada da Globo de rever o calendário do futebol brasileiro no futuro. A atitude da emissora nada mais é do que o reflexo empresarial de um desinteresse do público por boa parte das competições regionais. Tradução: os campeonatos atuais perderam boa parte do seu significado esportivo e, por consequência, o econômico.

Alguém vai bater no peito e argumentar que "haverá finais com casa cheia e olha como os Estaduais estão vivos". Sim, porque a rivalidade entre os times nacionais vai bem obrigado e proporciona esses confrontos. Mas são quantos jogos assim em três meses de Estaduais? Não é à toa que o público abandona o pay-per-view durante o período.

Para fazer sentido esportivo e econômico, campeonatos de futebol têm que ser atrativos na maior parte de seus jogos. Como ocorre com o Brasileiro, com a Libertadores, com a Copa do Brasil. Haverá um ou outro jogo morto ali, mas, na maioria deles, há bastante coisa em disputa.

Faz sentido botar o Palmeiras com seus R$ 600 milhões de receita para enfrentar um sem número de times pequenos? Qual é a evolução técnica que isso proporciona para o time de Felipão? Qual é a vantagem econômica visto que tira datas de campeonatos que só crescem em valor como Brasileiro e Libertadores?

Precisamos encarar a realidade de que os Estaduais roubam de nossos clubes grandes tempo (datas) e dinheiro. Esses dois elementos são imprescindíveis para que os nossos grandes clubes se fortaleçam e consigam minimamente disputar com europeus, seja dentro de campo, seja nas cabeças das crianças que vão formar o público do futebol.

Enquanto nossos melhores jogadores enfrentam adversários muito inferiores em campos esburacados, Messi desfila na Liga dos Campeões e no Espanhol na TV. Enquanto nossos jogadores têm menos de 20 dias de pré-temporada para estrear no Estadual, Guardiola arma seu City para exibir um dos times com futebol coletivo mais convincente do mundo.

"Ah, mas vamos matar os times pequenos que formam a base da formação de jogadores." Como estruturas profissionais, esses clubes já estão morrendo. Eram 700 e tantos no Brasil, já caíram para 600. Outros devem sumir. Nenhuma migalha de cota de Estadual em três meses vai salva-los.

O que pode, sim, salva-los é criar uma estrutura paralela ao funcionamento dos grandes clubes para que continuem a existir. Pode ser com campeonatos regionais semi-amadores na maior parte do ano com direito a classificar a fases reduzidas finais de Estaduais – sim, eles poderiam sobreviver com seis, oito datas, um mês no máximo, como um início de temporada.

E pode ser com um projeto de financiamento feito pela própria CBF onde sobra dinheiro no caixa e os incentivos para o futebol nacional são bem reduzidos proporcionalmente ao que arrecada com ele. Mesmo o Brasileiro, transformado em liga, poderia gerar dinheiro para bancar campeonatos amadores pelo país. Ou pode ser com a destinação de dinheiro direto para formação de atletas pelo país em centros bancados pela CBF.

O que não dá mais é para os Estaduais funcionarem como âncora para a elite do futebol nacional. É preciso que se ponha em primeiro lugar o Brasileiro de dez meses, a Libertadores, a Sul-Americana e a Copa do Brasil. Ou então vamos nos conformar com o baixo nível técnico e sermos párias de um futebol mundial pujante que se apresenta pelo mundo. Seria como insistir na máquina de escrever por um apego emocional quando seu concorrente trabalha com poderosos processadores.

Sobre o Autor

Nascido no Rio de Janeiro, em 1977, Rodrigo Mattos estudou jornalismo na UFRJ e Iniciou a carreira na sucursal carioca de “O Estado de S. Paulo” em 1999, já como repórter de Esporte. De lá, foi em 2001 para o diário Lance!, onde atuou como repórter e editor da coluna De Prima. Mudou-se para São Paulo para trabalhar na Folha de S. Paulo, de 2005 a 2012, ano em que se transferiu para o UOL. Juntamente com equipe da Folha, ganhou o Grande Prêmio Esso de Jornalismo 2012 e o Prêmio Embratel de Reportagem Esportiva 2012. Cobriu quatro Copas do Mundo e duas Olimpíadas.

Sobre o Blog

O objetivo desse blog é buscar informações exclusivas sobre clubes de futebol, Copa do Mundo e Olimpíada. Assim, pretende-se traçar um painel para além da história oficial de como é dirigido o esporte no Brasil e no mundo. Também se procurará trazer a esse espaço um olhar peculiar sobre personagens esportivas nacionais.