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Rodrigo Mattos

Vaias a Vitinho na estreia do Fla foram dos clientes, não dos torcedores

rodrigomattos

21/01/2019 04h00

Estamos em 20 de janeiro, não houve pre-temporada em tempo razoável, não há portanto condição física ou entrosamento das equipes. Os times não são sequer um protótipo do que podem vir a ser durante a temporada. Ainda assim, uma parte da torcida do Flamengo vaiou o atacante Vitinho – uma outra parte o aplaudiu – em sua primeira partida oficial no ano porque perdeu algumas bolas e errou um ou outro passe.

Essa reação é um sintoma da figura do torcedor-cliente que surgiu no Brasil em que há um intolerância com times e jogadores na qual só a vitória e exibições exuberantes são aceitas. Para uma parte dos torcedores – e diga-se é uma parte mesmo porque há vários outros bem fiéis e comprometidos com suas equipes -, o pagamento do ingresso deve lhes dar satisfação garantida: vitória, dribles, passes e o direito de zoar os amigos no final.

Uma parada neste texto para dizer que esse conceito surgiu para mim em uma conversa com o colunista de  "O Globo" Carlos Eduardo Mansur, um dos melhores textos atualmente sobre futebol no Brasil. Partiu dele esse ideia sobre como os torcedores cada vez mais entendem que os times lhes devem o triunfo em troca do que pagam. Vou aqui desenvolver essa realidade.

No caso específico de que tratamos, Vitinho estava ali em uma tarde razoável diante do Bangu. Errou, sim, algumas bolas, esforçou-se em outras. Meio fora de ritmo pelo início de temporada, meio sentindo o calor intenso do Rio em um jogo de pouca relevância. Desde que chegou, teve um início vacilante e um final de ano bem promissor em 2018 com atuações convincentes na arrancada do Fla nas últimas rodadas do Brasileiro.

Ah, mas o torcedor-cliente não admite nada a menos do que dez milhões de dribles e quinze milhões de assistências por jogo, duas vezes por semanas. Não interessa a ele que isso seja impossível sob o ponto de vista físico e técnico. "Esse cara aí custou € 10 milhões." Como se o jogador fosse um prato que ele pediu no cardápio.

Não é uma exclusividade do torcedor rubro-negro.  Talvez isso venha a se exacerbar no Flamengo neste ano por causa do investimento realizado. Mas é uma realidade de várias torcidas de times brasileiros, quase todos eles. Há um imediatismo no torcedor fruto de uma sociedade que também espera resultados assim que uma contratação acontece, como apertar um botão da internet. "Cliquei e espero prazer imediato, fui ao estádio tem que vencer."

É irônico perceber que esta mesma pessoa se coloca muitas vezes como "parte do time" quando há uma vitória, mas que se exclui quando há a derrota. 1) "Nós somos bons para c…., enevezes campeões". 2) "Bando de fracassados, vocês não merecem nosso apoio".

Peraí, se você é torcedor, é também parte de algo e tem alguma responsabilidade por construir o sucesso do seu time. Óbvio que sua interferência é limitada das arquibancadas, não pode chutar bolas ou fazer contratações, e por isso cobranças são justas.

Mas o torcedor deve participar da montagem de seu time ao entender suas necessidades. Financiar a equipe é uma parte. É preciso também tentar compreender o momento de seus jogadores da arquibancada e esperar a construção minimamente da equipe. Críticas justas, não linchamento.

Ninguém aqui está a defender que não se vaie. O torcedor tem todo o direito à vaia, sempre, mas se ele é de fato um torcedor vai usar quando for em favor de seu time. Ou seja, quando sua equipe lhe causar uma indignação tão grande pela decepção que, na verdade, ele estará vaiando a si mesmo. Porque ele é parte do time. Ou não é?

A cultura do linchamento tomou conta do futebol brasileiro. Uma equipe está quebrada financeiramente, tentando se reerguer, e está lá o torcedor exigindo títulos, gritando como se não tivesse usufruído da gastança anterior. O que revela outra faceta: o torcedor-cliente não pensa no futuro do seu clube que pode muitas vezes demandar cortar gastos e passar penúria em campo por um anos. Só pensa no seu bem estar: "Contrata um craque para nós ganharmos!"

No final das contas, uma pessoa tem o óbvio direito de encarar o futebol como se fosse cliente e exigir uma satisfação pelo que pagou. Agora, depois, não vem dizer que você é fanático e estava junto do seu time construindo todos os títulos que ele ganhou com esforço mútuo, sofrendo junto – em geral, esse tipo de torcedor some nas fases ruins. Você é só um cliente.

PS: Torcedores têm o direito e devem cobrar tratamento de clientes em relação aos serviços que os clubes prestam a eles: venda de ingressos, serviços de sócios-torcedores, camisas disponíveis, etc. Esse texto só trata do aspecto do desempenho em campo.

Sobre o Autor

Nascido no Rio de Janeiro, em 1977, Rodrigo Mattos estudou jornalismo na UFRJ e Iniciou a carreira na sucursal carioca de “O Estado de S. Paulo” em 1999, já como repórter de Esporte. De lá, foi em 2001 para o diário Lance!, onde atuou como repórter e editor da coluna De Prima. Mudou-se para São Paulo para trabalhar na Folha de S. Paulo, de 2005 a 2012, ano em que se transferiu para o UOL. Juntamente com equipe da Folha, ganhou o Grande Prêmio Esso de Jornalismo 2012 e o Prêmio Embratel de Reportagem Esportiva 2012. Cobriu quatro Copas do Mundo e duas Olimpíadas.

Sobre o Blog

O objetivo desse blog é buscar informações exclusivas sobre clubes de futebol, Copa do Mundo e Olimpíada. Assim, pretende-se traçar um painel para além da história oficial de como é dirigido o esporte no Brasil e no mundo. Também se procurará trazer a esse espaço um olhar peculiar sobre personagens esportivas nacionais.