Empresa cobra 40% de contrato da CBF-Globo por acordo secreto de Teixeira
Empresa acusada de pagar propinas a dirigentes em processo nos EUA, a Full Play Group processa a CBF cobrando 40% dos contratos da Globo para transmissão de jogos da seleção dos últimos quatro anos. Baseia-se em acordos fechados com a confederação, na gestão de Ricardo Teixeira, que davam à agência o poder exclusivo de negociar os direitos de televisão dos jogos do time em eliminatórias da Copa e amistosos para o Brasil. O blog obteve documentos do processo que pode gerar um prejuízo de até R$ 123 milhões para a confederação.
Em fevereiro de 2012, Teixeira assinou acordos com a Full Play que a tornavam agente exclusiva para tratar da negociação dos direitos de televisão no Brasil de jogos amistosos até 2022, das eliminatórias da Copa de 2018 e do superclássico das Américas. Pelo acordo, a agência ficaria com 20% de todos os recursos de televisão ganhos pela seleção no território nacional. Um mês depois o ex-dirigente renunciou à presidência da CBF pressionado por acusações de corrupção.
Juntamente com a empresa da qual é sócia Datisa, a Full Play é acusada de pagar propinas a cartolas sul-americanos para obter os contratos de direitos de transmissão da Copa América no chamado "caso Fifa" que se desenrola na Justiça dos EUA. Os donos da Full Play, Hugo e Mariano Jinkins, são denunciados por corrupção e estão livres porque não saem da Argentina. O ex-presidente Ricardo Teixeira é um dos acusados na Justiça dos EUA de receber propina da Full Play/Datisa, mas nunca respondeu às acusações porque nunca apareceu nos EUA.
Os presidentes da CBF que sucederam Teixeira, José Maria Marin, Marco Polo Del Nero e Coronel Nunes, ignoraram os contratos assinados com a Full Play. A confederação assinou acordos diretamente com a Globo a partir de 2015, tanto relativos às eliminatórias da Copa-2018 quanto para amistosos.
Assim, em dezembro de 2018, a Full Play entrou com uma ação na Justiça do Rio contra a CBF em que cobra: a comissão prevista de 20% sobre todos os contratos de transmissão para o Brasil, uma indenização correspondente ao mesmo percentual de 20% dos acordos, além de US$ 400 mil que foram pagos em adiamento para a CBF na assinatura do acordo. Tudo isso está previsto nos contratos assinados pelo então presidente da confederação Ricardo Teixeira. E a cobrança na ação prevê que a comissão e a indenização são independentes.
Pelos três contratos, fica estabelecido que, a partir do final da Copa-2014, a Full Play se tornaria "o único e exclusivo agente da CBF para comercialização dos direitos das totalidades dos eventos." Os eventos são os nove jogos das eliminatórias em casa, os amistosos até 2022 e os superclássicos com a Argentina, considerados os direitos para o Brasil que são os mais valiosos. Ou seja, pelos documentos, a confederação não poderia negociar por conta própria os direitos de televisão que vendeu para a Globo.
Em seguida, está estabelecido na cláusula 5.1 dos contratos entre a CBF e a Full Play: "Como contraprestação pela atividade a ser desenvolvida pelo agente de acordo com o presente contrato, a FPG terá direito a receber uma comissão de 20% sobre todos os ingressos que obtenha o agente pelas vendas e/ou comercialização de todos os direitos (daqui por diante denominada comissão)".
Com esses documentos como base, a Full Play cobrou a gestão de Marco Polo Del Nero e José Maria Marin que a CBF não poderia negociar por conta próprias os direitos, como fez. É o que relata na peça inicial da ação em que exige esses valores da confederação.
"Após o início do prazo contratual (encerramento da Copa do Mundo de Futebol FIFA Brasil 2014, cf. itens 4.3 dos Contratos), a FGP tomou conhecimento de que a CBF negociou os direitos agenciados diretamente com as emissoras de televisão e rádio, sem que qualquer comunicação tenha sido enviada à autora e sem nem mesmo tentar justificar a reprovável conduta em suposto (e inexistente, diga-se desde logo) inadimplemento contratual da FGP. Àquela altura, a autora estava em contato com os órgãos de transmissão, que simplesmente informaram que já haviam assinado os contratos relacionados aos eventos diretamente com a CBF", afirmam os advogados da Full Play.
Pelo que está escrito na ação, a CBF reconheceu a existência dos contratos ao responder a notificação extrajudicial da empresa. Para justificar o descumprimento, a confederação alegou que a Full Play não participou da negociação dos direitos de transmissão da seleção para o Brasil. Argumentou que a empresa estaria "cobrando vantagens a que não faz jus, invocando (…) contratos há muito abandonados pela empresa, que teriam ocasionado à CBF uma série de prejuízos"
Para se ter uma ideia, a cobrança da Full Play pode gerar um prejuízo de aproximadamente R$ 120 milhões para a CBF se for integralmente aceita pela Justiça. No período entre a Copa de 2014 e 2018, a seleção disputou 40 partidas entre eliminatórias da Copa, superclássico e amistosos. A Globo pagou cerca de US$ 2 milhões por jogo neste período. No total, portanto, a Full Play teria direito a R$ 3,1 milhões por cada um dos jogos a título de comissão e indenização como previstos nos contratos, além do dinheiro adiantado. Esse valor pode ser maior porque um dos acordo abrange amistosos até 2022.
O advogado que representa a Full Play na ação é Michel Asseff Filho, que também advogado do ex-presidente da CBF Ricardo Teixeira na acusação contra ele nos EUA.
"Não posso falar sobre o processo porque estaria quebrando cláusulas de confidencialidade do contrato", afirmou o advogado Michel Asseff Filho. Sobre Ricardo Teixeira, que assinou o contrato pela CBF, ele nega que o ex-dirigente tenha relação com a ação da Full Play. "Nada, absolutamente. Nem sabe que isso existe. é uma questão da empresa."
Ele ainda defendeu que o fato de a Full Play ser acusada de pagar propina não interfere na ação proposta no Rio, nem lhe tirou os direitos sobre os negócios de transmissão de eliminatórias da Copa e de amistosos da seleção. "De forma alguma, a empresa está em pleno funcionamento e o contrato está em vigor", defendeu Asseff Filho.
Questionada pelo blog, a CBF não respondeu a perguntas sobre detalhes da ação, mas alega que esta é improcedente.
"A CBF informa que tomou conhecimento recentemente da ação mencionada em seu e-mail e que tem total convicção da improcedência das alegações e dos pedidos apresentados pela Full Play. Tendo em vista a fase inicial em que se encontra a causa, a CBF não comentará detalhes a seu respeito, considerando sua obrigação de respeitar a cláusula contratual de confidencialidade."
Teixeira não foi encontrado para comentar os contratos. Haverá uma audiência de conciliação entre as partes em abril.
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