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Rodrigo Mattos

Sete lições que Jesus deu para os técnicos no Brasileiro

rodrigomattos

18/11/2019 04h00

É possível dizer que Jorge Jesus (com Jorge Sampaoli como coadjuvante digno de Oscar) revolucionou o futebol brasileiro agora que está a dois pontos da conquista do título nacional após a vitória sobre o Grêmio. E, não, isso não significa que ele inventou a roda ou que os treinadores brasileiros são todos ineptos. Mas o português demonstrou com o seu Flamengo que era possível fazer coisas com um time no Brasil que, em geral, eram inviáveis para maior parte dos nossos técnicos, seja porque eles diziam ser impossível, seja porque tentavam e falhavam.

Não é por acaso que houve tal animosidade com Jesus. Em geral, quem quebra paradigmas em um país costuma enfrentar resistência. Em sua entrevista após a vitória sobre o Grêmio, o português disse:

"Quando estiveram lá, tentamos aprender. Não havia essa agressividade verbal que há comigo. Não entendo essas mentes fechadas. Não me incomoda. Quero que meus colegas cresçam. Não sabem o que é globalização. Que de uma vez por todas tirem os fantasmas da cabeça, porque o Brasil tem grandes treinadores", disse ele.

Bem, tentemos descrever em uma lista o que Jesus mostrou aos técnicos brasileiros em sete pontos:

Armar um esquema ofensivo logo de cara

A maioria dos técnicos brasileiros que assume um time começa por arrumar a casinha, isto é, organizar a defesa para depois se preocupar com o que fazer mais à frente. Pois Jesus armou seu esquema vertiginoso de pressão ofensiva e linha alta logo no primeiro jogo diante do Athletico-PR, em um dos campos mais difíceis de se jogar no país. Sofreu, houve desacertos, mas deu o primeiro passo. No primeiro jogo no Maracanã, meteu sua maior goleada diante do Goiás (6×1) com pressão ofensiva do início ao final do jogo.

É possível armar uma boa defesa com linha avançada

Assim que Jesus colocou seus zagueiros para jogar em linha avançada, choveram críticas: "Dá espaço nas costas do zagueiro", "O time está muito exposto",  "Zagueiros não têm velocidade para correr atrás de atacantes". É certo que sua defesa sofreu no início para se adaptar, em processo muito parecido com o que ocorreu com o Santos de Jorge Sampaoli no Paulista. Mas, neste momento, o Flamengo atuando de forma ultraofensiva tem média de 0,84 gol por partida sofrido com Jesus no Brasileiro, contra 1 gol dos dois técnicos anteriores. É a quinta melhor defesa, suficiente para ganhar jogos apertados como o do Grêmio.

Jogar fora de casa como em casa

Óbvio que os grandes times brasileiros demonstravam que se deve ter a iniciativa independente do campo onde se atua. Não é algo que chega como novo ao Brasil. É algo que precisa ser reaprendido depois de ter sido perdido nos últimos três anos de campeões que jogavam esperando os adversários para dar o bote, casos do Palmeiras (2016-2018) e do Corinthians (2017). Eram times que procuravam dominar os adversários mais pelo espaço que lhes negavam do que pelo espaço que ocupavam na frente. Jesus e Sampaoli fizeram suas equipes terem iniciativa do jogo em praticamente todos os jogos, sendo raras as situações em que foram reativos.

Modelo de jogo permite variações de esquema

De novo, é óbvio que os técnicos brasileiros têm variações de esquema de jogo em partidas e em campeonatos. Mas não em tal quantidade como o praticado por Jesus, e por Sampaoli também em menor escala. O Flamengo já jogou no 4-1-3-2 (supostamente o preferido de Jesus), no 4-4-2, no 4-2-3-1, entre outras sub-variações do tema. Isso porque há um modelo de jogo bem definido e treinado em que os jogadores simplesmente adaptam suas posições em campo para executa-lo. O importante é a movimentação gerar as linhas de passe e associações entre atletas que caracterizam o jogo rubro-negro atual, e as posições defensivas serem respeitadas. A variação constante de posições dos jogadores é uma consequência desse cenário: não por acaso Bruno Henrique é ponta-esquerda, centroavante, ponta-direita, segundo atacante, às vezes todas essas funções em um jogo só.

Não é preciso poupar um time inteiro

Essa é talvez a lição mais surpreendente de Jesus para os treinadores brasileiros tão acostumados a lidar com o difícil calendário brasileiro. O jogo com o Grêmio, o último antes da Libertadores, foi o único em que o treinador português mandou a campo uma maioria de reservas, e mesmo assim incluiu dois de seus principais atletas Arrascaeta e Gabigol. E ele não descansa seus jogadores? Obviamente que sim. Fora contusões, houve uma considerável redução de minutos em campo de alguns atletas rubro-negros. É comum que titulares só entrem no segundo tempo, faltando 30min. Mas ele não tira uma base inteira de um jogo.

Brasileiro é nobre

Há um mito por aqui que o Brasileiro é quase uma competição de segundo escalão para determinados times. O Grêmio não tem titulares no Nacional em boa parte dos jogos há alguns anos, quem está bem na Copa do Brasil ou Libertadores deixa a competição em segundo plano, times como o Palmeiras veem às vezes o campeonato quase como consolação após cair na Libertadores. Não poderia haver nada mais absurdo. Em nível de dificuldade, o Brasileiro é tão ou mais complicado do que a Libertadores. São muitos times difíceis envolvidos, uma tabela longa e extenuante pelas sequências de jogos. Jesus elogiou algumas vezes a competição que, claramente, só não sobe mais de nível por ser mal tratada pela CBF.

Não se abdica de intensidade do início do fim

Quando o Flamengo de Jesus entra em campo, seus jogadores ofensivos se posicionam na linha do meio-campo para dar a primeira arrancada já rumo ao gol. Foi efetivo diante do Emelec e Vasco. O jogo começa com 0min e assim deve ser encarado. Dentro dos limites físicos, o time segue nesta toada a maior parte do jogo e não desiste de partidas. Virou diante do Fortaleza no final, desempatou contra o Botafogo também nos últimos minutos. Não é raro ver volantes rubro-negros marcando no campo de ataque com o time ganhando a pouco tempo do encerramento da partida. Sim, a equipe perde intensidade em determinadas partidas, o que pareceu mais fruto de desconcentração ou cansaço e saía do estilo imposto pelo português.

 

 

Sobre o Autor

Nascido no Rio de Janeiro, em 1977, Rodrigo Mattos estudou jornalismo na UFRJ e Iniciou a carreira na sucursal carioca de “O Estado de S. Paulo” em 1999, já como repórter de Esporte. De lá, foi em 2001 para o diário Lance!, onde atuou como repórter e editor da coluna De Prima. Mudou-se para São Paulo para trabalhar na Folha de S. Paulo, de 2005 a 2012, ano em que se transferiu para o UOL. Juntamente com equipe da Folha, ganhou o Grande Prêmio Esso de Jornalismo 2012 e o Prêmio Embratel de Reportagem Esportiva 2012. Cobriu quatro Copas do Mundo e duas Olimpíadas.

Sobre o Blog

O objetivo desse blog é buscar informações exclusivas sobre clubes de futebol, Copa do Mundo e Olimpíada. Assim, pretende-se traçar um painel para além da história oficial de como é dirigido o esporte no Brasil e no mundo. Também se procurará trazer a esse espaço um olhar peculiar sobre personagens esportivas nacionais.