Se dívida bancária não for paga, Odebrecht pode vender ações do Itaquerão
rodrigomattos
02/09/2014 06h00
A prioridade dos recursos do Itaquerão é pagar a dívida com o financiamento do BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social) para construir o estádio. Só que há um débito ainda maior do Corinthians com bancos, todo feito com garantias da Odebrecht. Em troca, a construtora tem o direito a tomar as principais ações da arena e vendê-las para qualquer um em caso de falta de pagamento. É o que diz contrato entre a empresa e a Arena Itaquera, obtido pelo blog.
O Itaquerão tem um custo de R$ 1,150 bilhão. Desse total, R$ 400 milhões foram bancados por dinheiro do BNDES com intermediação da Caixa Econômica Federal. Outros R$ 750 milhões, a grosso modo, foram obtidos em três grandes empréstimos com bancos e em recursos da própria Odebrecht. Todos os débitos foram tomados pela Arena Itaquera, empresa que detém o controle sobre o fundo do estádio por meio de cotas seniores.
Pelas regras do acordo do BNDES, a Caixa Econômica tem prioridade para receber as rendas do estádio e para executar garantias em caso de falta de pagamento. Na prática, o banco tem o controle sobre os negócios do Itaquerão, e pode até excluir o Corinthians. A previsão é de pagamento em 13 anos até 2028.
Contrato de alienação fiduciária entre a Arena Itaquera, acionista principal do Itaquerão, e a Odebrecht
Mas essa não é a única ameaça ao domínio corintiano sobre a arena. Firmado em 2011, o contrato de alienação fiduciária entre a Odebrecht e a Arena Itaquera estabelece as condições segundo as quais a construtora deu garantias para pegar empréstimos no Banco do Brasil (R$ 150 milhões), Santander (R$ 100 milhões) e na própria Caixa Econômica (R$ 350 milhões), além de capital da própria empresa. O documento tem como interveniente a BRL Trust, administradora do fundo do estádio.
Em resumo, a alienação fiduciária é a cessão da posse de uma propriedade ao seu credor. Pelas condições do contrato de alienação, a Arena Itaquera cede todas as suas cotas seniores no fundo do estádio para a Odebrecht enquanto houver as dívidas.
Ou seja, a empresa passa a ter o poder majoritário de voto nas decisões na empresa e, por consequência, no Itaquerão. O Corinthians é um cotista junior, com menos poder. No total, há 1,3 bilhão de cotas para um patrimônio do fundo de R$ 1,2 bilhão.
Mais do que isso, se houver qualquer inadimplência no pagamento dos empréstimos bancários, a Odebrecht pode executar as garantias e tomar de vez as ações do fundo e do estádio. Pelo artigo 7o do contrato, o "credor (construtora) terá o direito de, quer diretamente ou por intermédio de um agente autorizado, excutir a garantia, inclusive por meio da alienação da garantia por venda pública ou privada, cessão, transferência ou por qualquer outro meio a terceiros, incluindo a uma pessoa relacionada ou não ao credor".
Trecho do contrato deixa claro que Odebrecht pode vender as ações do fundo do Itaquerão para qualquer um caso não sejam pagos empréstimos para construir estádio
Ressalte-se que esse tipo de mecanismo é comum em negócios que implicam altas garantias, como explicaram advogados societários ouvidos pelo blog. Para simplificar, assemelha-se a um financiamento para comprar casa em que ela pode ser tomada. No caso do Corinthians, há mais de um credor e os valores envolvidos são muito maiores.
Depois desse contrato, foram assinados novos acordos de alienação fiduciária com a Caixa Econômica em 2014, como, aliás, previsto no primeiro documento. Assim, por conta do dinheiro do BNDES, o banco federal tem preferência para receber os recursos do estádio e para tomar bens como o Itaquerão para receber seu dinheiro por esses novos instrumentos.
Mas a construtora tem um instrumento para que, pago esse financimento público, ela possa ficar com o estádio caso o Corinthians não consiga pagar as dívidas privadas, que, no total, são maiores e têm juros mais altos.
Pessoas que trabalham pelo Corinthians na arena têm consciência dessa possibilidade e, por isso, sabem que é preciso gerar altas rendas para evitar a qualquer custo a inadimplência. Afinal, há uma desconfiança de que a construtora queira gerir a arena. Tanto que há reclamação pelo andamento lento da obra de finalização do estádio, como mostrou Ricardo Perrone.
Para se ter uma ideia do tamanho do problema, há contratos de empréstimos feitos pelos bancos que têm até cinco aditivos para prorrogação de prazos de vencimento. São compromissos de R$ 750 milhões com juros crescentes, enquanto o financiamento do BNDES tem a TJLP (Taxa de Juros a Longo Prazo), bem mais baixa. Uma boa notícia para o Corinthians é que uma parte pode ser quitada com os R$ 400 milhões em incentivos fiscais da prefeitura de São Paulo.
Procurada pelo blog, a Odebrecht não quis se pronunciar sobre o contrato. O departamento jurídico corintiano, assim com os seus advogados que trabalham no negócio, foram informados em várias ocasiões sobre o teor da reportagem, mas não retornaram as ligações.
Sobre o Autor
Nascido no Rio de Janeiro, em 1977, Rodrigo Mattos estudou jornalismo na UFRJ e Iniciou a carreira na sucursal carioca de “O Estado de S. Paulo” em 1999, já como repórter de Esporte. De lá, foi em 2001 para o diário Lance!, onde atuou como repórter e editor da coluna De Prima. Mudou-se para São Paulo para trabalhar na Folha de S. Paulo, de 2005 a 2012, ano em que se transferiu para o UOL. Juntamente com equipe da Folha, ganhou o Grande Prêmio Esso de Jornalismo 2012 e o Prêmio Embratel de Reportagem Esportiva 2012. Cobriu quatro Copas do Mundo e duas Olimpíadas.
Sobre o Blog
O objetivo desse blog é buscar informações exclusivas sobre clubes de futebol, Copa do Mundo e Olimpíada. Assim, pretende-se traçar um painel para além da história oficial de como é dirigido o esporte no Brasil e no mundo. Também se procurará trazer a esse espaço um olhar peculiar sobre personagens esportivas nacionais.