Usada em protestos, camisa amarela é da seleção ou da CBF?
rodrigomattos
16/03/2015 11h46
Uma marca dos protestos contra o governo federal e a presidente Dilma Rousseff neste domingo foi o uso da camisa da seleção brasileira juntamente com outros adereços com as cores do país. Essa presença da amarelinha na rua causou discussões sobre se era pertinente utilizá-la em uma manifestação contra a corrupção pelo desgaste da imagem da CBF. A questão, de fundo, é: o uniforme do Brasil é da seleção ou da confederação?
É a primeira vez que a amarelinha aparece como uma vestimenta em larga escala em um protesto político de grandes proporções no país. Não aconteceu nas manifestações de julho de 2013 durante a Copa das Confederações (até porque a Copa era também alvo), nem no "Fora Collor", muito menos nas "Diretas Já". É só olhar as fotos.
Não houve nenhuma menção ao futebol durante os protestos, a camisa estava lá muito mais por ser um elemento verde e amarelo. E provavelmente a população passou a ter mais uniformes porque a Copa foi recente, em 2014.
Mas isso gerou, primeiro, comentários irônicos sobre lutar contra a corrupção com a camisa da CBF quando seus dirigentes já sofreram acusações similares. Da minha parte, observei que a minoria que pedia intervenção militar teria razão de usar o uniforme visto que a confederação é presidida por José Maria Marin, político notoriamente ligado à ditadura.
Essas frases causaram um desconforto em parte do público porque, de uma certa forma, dão a posse da camisa para a confederação em vez de reconhecê-la como um bem popular. E associam, injustamente, quem veste a camisa da seleção aos Marins, ditaduras e corrupção.
É preciso lembrar que o uniforme da seleção é uma imagem que faz parte da construção da imagem nacional desde 1958 quando o Brasil ganhou sua primeira Copa. Se recordarmos aquela festa, o povo brasileiro então passou a formar uma nova imagem de si mesmo. Dizia Nelson Rodrigues logo após o título: "O povo já não se julga mais um vira-latas. Sim, amigo: – o brasileiro tem de sim mesmo uma nova imagem. Ele já se vê na generosa totalidade das suas imagens virtudes pessoais e humanas."
Esse forte poder simbólico que tem a camisa, no entanto, foi usurpado posteriormente pela ditadura durante a Copa-1970 (com incentivo de Nelson Rodrigues, aliás), o que causou a primeira ruptura de parte da população com o time. Mais recentemente, essa ligação do povo com a equipe nacional tornou-se mais distante pela forma como nosso futebol vem sendo gerido, e a distância dos jogadores.
A derrota de 7 a 1 para a Alemanha representou o ápice de um processo em que o brasileiro não se vê tão conectado à seleção. Assim como fazia Ricardo Teixeira, cartolas como Marin e Marco Polo Del Nero se apropriaram do símbolo e criaram agendas próprias: a sua permanência no poder, os milionários contratos de patrocínio, um patriotismo barato, técnicos durões de estilo meio ditatorial como Felipão e Dunga que lhes servem de escudo.
Embora seja privada e não estatal, a CBF passou por uma processo semelhante à Petrobras no sentido de que a população não se identifica com a forma como é gerida em favor de interesses particulares. Claro, os casos são bem díspares pois na petroleira há casos comprovados de corrupção em grandes montantes, enquanto na confederação se comprovou denúncias contra o ex-presidente Teixeira e o que se vê dos atuais gestores é um oportunismo político.
De qualquer maneira, é por isso que muitas pessoas – aí eu me incluo – veem na camisa um símbolo da CBF, e não da seleção. Só que há razão no torcedor/manifestante quando argumenta que o uniforme é do time nacional, e não deveria ter sua imagem apropriada por poucos cartolas. Mas, para que a maioria volte a ver na amarelinha um símbolo seu, será preciso uma radical mudança de gestão no time e no futebol brasileiro. O que, como na Petrobras, não se vislumbra em um futuro próximo.
Sobre o Autor
Nascido no Rio de Janeiro, em 1977, Rodrigo Mattos estudou jornalismo na UFRJ e Iniciou a carreira na sucursal carioca de “O Estado de S. Paulo” em 1999, já como repórter de Esporte. De lá, foi em 2001 para o diário Lance!, onde atuou como repórter e editor da coluna De Prima. Mudou-se para São Paulo para trabalhar na Folha de S. Paulo, de 2005 a 2012, ano em que se transferiu para o UOL. Juntamente com equipe da Folha, ganhou o Grande Prêmio Esso de Jornalismo 2012 e o Prêmio Embratel de Reportagem Esportiva 2012. Cobriu quatro Copas do Mundo e duas Olimpíadas.
Sobre o Blog
O objetivo desse blog é buscar informações exclusivas sobre clubes de futebol, Copa do Mundo e Olimpíada. Assim, pretende-se traçar um painel para além da história oficial de como é dirigido o esporte no Brasil e no mundo. Também se procurará trazer a esse espaço um olhar peculiar sobre personagens esportivas nacionais.