Quebrado, Rio-2016 teve R$ 255 mi da bilheteria bloqueados para pagar Vila
rodrigomattos
14/10/2016 06h00
Com dificuldades financeiras, o Comitê Rio-2016 teve R$ 255 milhões em bilheteria bloqueados para pagar pelo aluguel da Vila Olímpica dos Atletas. Esse valor é referente ao uso por 17 meses do local (bem superior a permanência dos atletas) em que o organismo pagou pelos juros em substituição ao consórcio Ilha Pura (Odebrecht e Carvalho Hosken). É o que mostram os contratos do empreendimento obtidos pelo UOL Esporte.
Após os Jogos, a situação financeira do Rio-2016 é bastante problemática com dívidas e cobranças na praça que podem chegar a R$ 200 milhões. Foi necessário recorrer ao socorro dos cofres públicos em pelo menos R$ 215 milhões, vindos da prefeitura do Rio de Janeiro e de estatais federais.
Pela leitura dos documentos do Rio-2016, fica claro que diversas receitas foram bloqueadas, o que ajudou a levar a essa situação. Além da bilheteria, houve uma retenção de R$ 96 milhões do contrato de patrocínio do Bradesco para pagar ao Ilha Pura pelas reformas da Vila após os Jogos. Ou seja, no total, o bloqueio foi de R$ 350 milhões.
"Não foi isso o causador dos nossos problemas financeiros. Se todas as nossas despesas fossem menores, a gente não teria os problemas financeiros. Muitas das despesas foram sobre exigências inclusive para o COI", justificou-se o diretor de comunicação do Rio-2016, Mario Andrada.
Apesar do pagamento antecipado, a Vila Olímpica causou a maior crise na Olimpíada por ter sido entregue pelas construtoras com problemas de acabamento, de encanamentos e de ligações de luz. Os prédios estavam inacabados e o comitê demorou a perceber e consertar os problemas.
Contrato da Caixa
O condomínio de prédios da Vila Olímpica foi financiado por meio de contrato entre a Ilha Pura (Odebrecht e Carvalho Hosken) e a Caixa Econômica Federal, com participação da Rio-2016. Pelo acordo assinado em 2014, o banco estatal emprestou R$ 2,9 bilhões para a construção dos 31 prédios do empreendimento com juros subsidiados (taxa TJLP). A Caixa fica com a posse dos imóveis até que esses sejam vendidos.
Inicialmente, o comitê pagaria Us$ 18 milhões pelo aluguel em compromisso das empreiteiras na candidatura olímpica. Depois, em 2014, a Ilha Pura pressionou para que fosse usada a regra de usufruto pela qual o Rio-2016 tinha que pagar os juros durante o período que usasse a Vila.
A questão é que o contrato obtido pelo UOL Esporte estabelece que os prédios seriam cedidos a partir de março de 2016 até um prazo entre março e julho de 2017, dependendo do prédio. Ou seja, até 17 meses. Ora, quanto maior o tempo ficasse com o Rio-2016, maior seriam os juros.
Pela cláusula 40ª do contrato, foi estabelecido que o valor estimado seria de R$ 255 milhões a serem pagos pelo Rio-2016 diretamente para a Caixa Econômica. Será um valor economizado pelo Ilha Pura com os juros. Não há nenhuma cláusula que preveja redução do valor em caso de entrega antecipada.
O blog apurou que o comitê está atrasado na devolução dos prédios para o Ilha Pura. Deveria ter entregue 10 prédios desocupados em setembro, o que não aconteceu. E o comitê já avisou que não conseguirá devolver os outros 21 prédios em outubro, como previsto no contrato.
Após a entrega, será feito o retorto nos prédios, que, segundo o Ilha Pura, demora até o próximo ano. Nesta cenário, por falta de organização do Rio-2016, nem seria possível antecipar a entrega e pleitear redução do valor.
Não apenas a bilheteria foi usada
Para cobrir esse valor, o comitê não tinha uma carta fiança para usar como garantia. Assim, teve que assinar uma alienação fiduciária com a Caixa Econômica em relação à bilheteria dos Jogos. Basicamente, toda a renda dos ingressos da olimpíada foi diretamente para uma conta no banco estatal bloqueada ao Rio-2016 até que se atingissem os R$ 255 milhões.
Não era o único recurso do comitê bloqueado por conta da Vila. Havia ainda a possibilidade de ficar com a receita de patrocínio dos Correios caso a bilheteria não fosse suficiente. Isso não foi necessário: o valor já foi pago integralmente pela bilheteria.
Mas outro contrato de patrocínio não escapou do bloqueio. Além do aluguel, o Comitê Rio-2016 teve que pagar R$ 47 milhões ao Ilha Pura pelo retrofit dos prédios, isto é, a reforma para adaptá-los para seus futuros moradores após a Olimpíada.
Para isso, foi usado o contrato de patrocínio do Bradesco. Um contrato de alienação fiduciária entre o Rio-2016 e as empreiteiras estabeleceu que R$ 96 milhões do patrocínio do banco foram para uma conta para ser usada pelo Ilha Pura. Além dos R$ 47 milhões, seriam outros R$ 49 milhões para garantir outras obrigações, segundo o contrato.
Dentro do Comitê Rio-2016, a conta é de que a Vila Olímpica no final deve custa R$ 318 milhões, contados ainda reparos a serem feitos no prédio. Ou seja, um valor muito superior aos Us$ 18 milhões iniciais.
Outro lado
O Rio-2016 defende os termos do contrato porque eram uma garantia para ter tempo para devolver os prédios. "Quando o contrato foi assinado, a gente não tinha noção do que ficaria quebrado e do que precisaria para devolver. A gente colocou março (2017) para ter uma garantia. Se ficasse pronto em outubro de 2016, pagaria menos aluguel, mas poderia não entregar e pagaria multa", justificou o diretor de comunicação do Rio-2016, Mario Andrada. "Entendo isso: se ficasse em vez de março (a entrega), em abril, iria aumentar. É uma conta macro não com esse detalhamento."
Segundo Mario, o Rio-2016 sempre quis pagar menos e negociou o máximo com esse objetivo.
O consórcio da Odebrecht e Carvalho Hosken disse que cumpriu exatamente os prazos previstos em contrato: "Os imóveis da Ilha Pura começaram a ser entregues ao Rio2016 antes do prazo, em janeiro/16. Todos os 3.604 apartamentos foram terminados conforme contrato e vistoriados pelo Rio2016. As demandas de assistência técnica, previstas no contrato, foram atendidas assim que solicitadas pela Rio 2016, em um prazo de 10 dias."
E justificou os bloqueios das receitas de patrocínio do comitê "O Rio-2016 fez um depósito em uma conta garantia pois não conseguiu apresentar a fiança prevista no contrato. Parte já foi devolvida e o saldo devolvido quando as obrigações estiverem concluídas."
Há em curso uma negociação sobre os consertos dos prédios que giram em torno de R$ 31 milhões. Inicialmente, o Rio-2016 queria abatimentos pelos diversos problemas encontrados na Vila Olímpica na entrega antes da competição que resultaram em uma crise com delegações. Mas isso não ocorreu.
Sobre o Autor
Nascido no Rio de Janeiro, em 1977, Rodrigo Mattos estudou jornalismo na UFRJ e Iniciou a carreira na sucursal carioca de “O Estado de S. Paulo” em 1999, já como repórter de Esporte. De lá, foi em 2001 para o diário Lance!, onde atuou como repórter e editor da coluna De Prima. Mudou-se para São Paulo para trabalhar na Folha de S. Paulo, de 2005 a 2012, ano em que se transferiu para o UOL. Juntamente com equipe da Folha, ganhou o Grande Prêmio Esso de Jornalismo 2012 e o Prêmio Embratel de Reportagem Esportiva 2012. Cobriu quatro Copas do Mundo e duas Olimpíadas.
Sobre o Blog
O objetivo desse blog é buscar informações exclusivas sobre clubes de futebol, Copa do Mundo e Olimpíada. Assim, pretende-se traçar um painel para além da história oficial de como é dirigido o esporte no Brasil e no mundo. Também se procurará trazer a esse espaço um olhar peculiar sobre personagens esportivas nacionais.