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Por que o Brasil é o paraíso da impunidade para cartolas como Teixeira

rodrigomattos

29/06/2017 04h00

Após mais uma denúncia contra si em relatório da Fifa -de corrupção na escolha da Copa do Qatar-2022-, o ex-presidente da CBF Ricardo Teixeira deu uma entrevista ao jornal "Folha de S.Paulo" em que diz que o Brasil é o lugar mais seguro para ele porque aqui não é acusado de nada. Ele está certo. Desde que se tornou o mais poderoso cartola do país em 1989, ele foi alvo de inquéritos, denúncias, processos e até condenações em primeira instância. Nenhuma resultou em detenção para o dirigente – só a pressão internacional o fez deixar o cargo em 2012.

Há inclusive um inquérito sobre sua movimentação financeira instaurado pela Polícia Federal logo após estourar o caso Fifa, em maio de 2015. Esse procedimento completou dois anos sem denúncia e está longe de ser prioridade para a polícia. Oficialmente, a PF não comenta inquéritos sigilosos.

Em paralelo, o ex-dirigente já é alvo de investigações ou processo em quatro países. São eles: EUA, Espanha, Suíça e Paraguai. É acusado de levar propina por contratos da CBF, da Conmebol e da Fifa, além desviar dinheiro da seleção. Réu na Justiça norte-americana, corre risco de ser preso se for para lá ou para qualquer país com tratado de extradição. Mas não há essa possibilidade no Brasil por ele ser um cidadão nacional.

Por isso sua declaração à "Folha":  "Tem lugar mais seguro que o Brasil? Qual é o lugar? Vou fugir de quê, se aqui não sou acusado de nada? Você sabe que tudo que me acusam no exterior não é crime no Brasil. Não estou dizendo se fiz ou não."

Nas próximas linhas, explica-se por que Teixeira nunca sofreu sanção no seu próprio país enquanto é suspeito no exterior. Sua ficha no Brasil, hoje, é limpa. Seu advogado Michel Asseff Filho foi procurado pelo blog, mas não retornou as ligações.

Lei branda

Ao contrário de outros países, não há o crime de corrupção privada no Brasil, isto é, roubar uma empresa, assim como não havia na Suíça até pouco tempo. Se há um esquema de desvio de dinheiro da CBF, por exemplo, não há crime punível desde que exista um contrato e o dinheiro seja legal. Dentro da PF, isso é visto como um empecilho para investigar os cartolas. Mas há, sim, a possibilidade de investigar por lavagem de dinheiro ou evasão de divisas se a origem do dinheiro é incerta como ocorrem casos no futebol.

Inquéritos sem resultado na PF

Já houve mais de uma dezena de inquéritos da Polícia Federal contra Teixeira nos últimos 25 anos – é até difícil precisar o número. A CPI do Futebol de 2001 resultou em instauração de dez inquéritos na PF que, posteriormente, extinguiu todos. O Ministério Público Federal insistiu e apresentou uma denúncia sobre o caso do Delta Bank, banco de Miami que fez operações suspeitas com a CBF e com Teixeira. A Justiça não levou adiante.

Em 2011, houve instauração de outro inquérito sobre o cartola relacionado à compra de votos na escolha da Copa, em denúncia da emissora britânica BBC. Não foi adiante. Nesta época, houve investigação no Distrito Federal em torno de Teixeira e seu parceiro Sandro Rosell em torno do amistoso Brasil e Portugal, que envolvia o dinheiro público. Nunca afetou o dirigente.

Em 2015, logo após o caso Fifa Gate, foi aberto novo inquérito para apurar a movimentação de R$ 464 milhões por Teixeira em suas contas bancárias, com quatro pedidos de indiciamento. Nenhum resultado prático até agora.

Justiça lenta, com excesso de recursos 

Teixeira chegou a ser condenado duas vezes na Justiça Federal do Rio de Janeiro. Em uma delas, foi por sonegação por conta do voo da muamba após a Copa-1994 – a decisão só saiu em 2009. Ele chegou a perder seus direitos políticos e de fazer contratos público, mas reverteu na segunda instância do tribunal. Foi ainda condenado por sonegação de imposto pelo período de 1991 a 1993, mas a decisão saiu tão tarde que prescreveu. Só pagou o valor devido. Teixeira costuma ganhar a maioria no TRF do Rio de Janeiro.

A ação relacionada à CPI do Futebol sobre o Delta Bank foi travada por meio de habeas corpus obtidos por advogados de Teixeira. Aliás, o ex-dirigente sempre contou com bons advogados. Em 2001, durante a CPI do Senado, chegou a ter nos quadros de sua defesa o atual ministro do STF Luis Roberto Barroso.

Burocracia para interação entre Brasil e outros países

A lei brasileira permite a troca de informações e colaboração entre países em investigações. Tanto que a Procuradoria Geral da República pediu informações sobre os processos nos EUA e na Espanha relacionados a Teixeira e a Marco Polo Del Nero.

Mas essa colaboração se dá de forma lenta e com travas. Logo após procuradores brasileiros passarem a receber dados do caso Fifa, houve uma ação do advogado de um dos investigados, Kleber Leite, para impedir. Atualmente, Assef Filho também defende Teixeira. Ele conseguiu travar a troca de informações por um ano e meio alegando que não tinham sido seguido procedimentos legais. Agora, foi autorizada novamente a colaboração, mas haverá novos questionamentos na Justiça.

Proteção da CBF

Apesar dos inúmeros indícios de que a CBF foi lesada por antecessores, a gestão sob o comando do presidente Marco Polo Del Nero nada fez para ser ressarcida de eventuais prejuízos gerados por Teixeira. Pelo contrário, recentemente, a entidade enviou uma carta para ajudar Sandro Rosell, ex-presidente do Barcelona, e Teixeira no processo na Espanha. Alegou que não sofreu danos e que nada sabia sobre desvio de dinheiro dos amistosos da seleção.

Na Justiça dos EUA, a Conmebol e a Fifa já se apresentaram como vítimas no processo por terem dinheiro desviado por cartolas e, por isso, poderão receber o dinheiro pago em multas. A diretoria da CBF não se manifestou. Del Nero é um dos réus no processo, também acusado de levar propina em contratos da entidade. À "Folha", Teixeira admitiu que ainda conversa com Del Nero. A maioria dos contratos que assinou, pelos quais há acusação de propina, seguem válidos.

Apoio político

Fora a esfera judicial, a CBF e Teixeira sempre contaram com um forte lobby dentro da política por meio da bancada da bola. As três CPIs que ocorreram no Congresso para investigar a confederação tiveram empecilhos e travas por conta dessa atuação de parlamentares como Romero Jucá, senador do PMDB que foi relator da última comissão. Ele boicotou o relatório final do senador Romário (PSB-RJ).

 

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Sobre o Autor

Nascido no Rio de Janeiro, em 1977, Rodrigo Mattos estudou jornalismo na UFRJ e Iniciou a carreira na sucursal carioca de “O Estado de S. Paulo” em 1999, já como repórter de Esporte. De lá, foi em 2001 para o diário Lance!, onde atuou como repórter e editor da coluna De Prima. Mudou-se para São Paulo para trabalhar na Folha de S. Paulo, de 2005 a 2012, ano em que se transferiu para o UOL. Juntamente com equipe da Folha, ganhou o Grande Prêmio Esso de Jornalismo 2012 e o Prêmio Embratel de Reportagem Esportiva 2012. Cobriu quatro Copas do Mundo e duas Olimpíadas.

Sobre o Blog

O objetivo desse blog é buscar informações exclusivas sobre clubes de futebol, Copa do Mundo e Olimpíada. Assim, pretende-se traçar um painel para além da história oficial de como é dirigido o esporte no Brasil e no mundo. Também se procurará trazer a esse espaço um olhar peculiar sobre personagens esportivas nacionais.


Rodrigo Mattos