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Brasil: o país onde clubes ricos preferem jogar como times pequenos

rodrigomattos

08/03/2019 04h00

Um estrangeiro que viesse ao Brasil no início do do ano certamente criaria expectativas sobre a qualidade do futebol local ao ver as cifras investidas pelos clubes nacionais na janela de transferências. Os milhões gastos por Flamengo e Palmeiras o levariam a crer que, guardadas as devidas proporções, poderiam ser eles times de futebol dominantes no país naquela imposição que se vê na Itália, Alemanha, França com agremiações abastadas.

Em relação à América do Sul, poderia ainda esperar que outros times como Internacional, Atlético-MG, Grêmio e Cruzeiro seriam superiores diante de rivais mais modestos de outros países, exceção a alguns argentinos. A diferença financeira dos times nacionais, mesmo os que não são os mais ricos, é grande para nossos irmãos sul-americanos, fora o fato de o Brasil revelar bem mais jogadores.

O bom senso do observador estrangeiro, no entanto, seria contrariado pela primeira rodada da Libertadores. Ao final dos jogos de estreia do torneio, os times brasileiros conquistaram, sim, resultados, mas foram mais dominados do que dominaram contabilizados os números do jogo.

O enredo começou na terça-feira com a estreia do poderoso Flamengo e seus R$ 120 milhões em contratações diante do San José Oruro. Para se ter ideia, a liga boliviana sequer é televisionada integralmente porque não interessam todos os jogos às redes locais. Há dinheiro só de patrocinadores menores.

Havia a altitude que costuma complicar os times nacionais. Mas será que esta justificava que o Flamengo tenha sofrido 24 arremates, sendo 14 no gol, a ponto de tornar Diego Alves o melhor em campo? A equipe carioca chutou metade das vezes na meta adversária, e teve posse de bola levemente menor. Acredite: trocou menos passe do que os bolivianos. Ganhou, é verdade, em uma conclusão da Gabriel apesar de o técnico Abel Braga ter mantido seu time na defesa a maior parte do tempo.

No dia seguinte, foi a vez do Palmeiras e sua receita que ultrapassa R$ 500 milhões. Não enfrentava um time tão modesto quanto o Flamengo. Mas, como comparação, a receita anual do Junior Barranquilla, que é um dos times mais ricos da Colômbia, gira em torno de R$ 110 milhões. Ou seja, um quinto da palmeirense.

Ao final da vitória alviverde, o time de Felipão tinha sofrido 15 arremates, sendo nove deles no gol. Saiu ileso graças à incapacidade crônica do Junior de fazer gols, o que já se viu em outros confrontos com brasileiros. O Palmeiras concluiu cinco vezes a gol, sendo que apenas por 15 minutos iniciais tentou ter a bola e jogar. O Junior teve 61% de posse de bola, e 334 passes, mais do que o dobro dos palmeirenses.

Jogando fora, o Internacional até concluiu mais a gol (15 contra 9) do que o Palestino, mas boa parte deles com pouco perigo por serem arremates de longe. As melhores chances foram do time chileno que também teve mais passes completos (318 contra 277). O Palestino é apenas o 10o na classificação do campeonato local. O colorado também venceu em uma cobrança de falta de Sóbis.

A exceção foi o Grêmio que pegou o Rosário Central, igualou em conclusões a gols e teve mais posse de bola. Sem ser brilhante, foi o time dominante em campo como mostram seus 285 passes. Jogou fora como atua na sua arena. Com mais posse de bola efetivamente, esteve o Atlético-MG, que atuou em casa, diante do Cerro Porteño, e perdeu. Não foi uma boa atuação ofensiva do Galo, que ainda foi prejudicado por um gol impedido.

É preciso ter a bola para jogar bem? Obviamente que não, há outras formas de atuar. Mas, quando um time tem superioridade técnica sobre o outro, pressupõe-se que vai tentar dominar as ações do jogo já que assim está mais perto da vitória (isso já foi comprovado por levantamentos estatísticos). Quem opta por ser dominado é por que não tem como atuar de outro jeito com o que tem em campo.

Alguém imagina que o Manchester City, o PSG, Bayern de Munique e Barcelona vão gastar os tubos para enfrentar adversários bem inferiores fora de casa e se esconder esperando uma bola? Claro que Palmeiras e Flamengo não têm investimentos iguais a esses times europeus, mas a desproporção deles para os clubes que enfrentaram iniciais é parecida. Ainda assim, seus treinadores optam por serem dominados por equipes inferiores.

Nos últimos dez anos, o Brasil evoluiu bastante em termos de organização de gestão e finanças dos clubes do futebol, ainda que seja um processo longe de estar concluso. Isso proporcionou elencos bem mais fortes em alguns times do que eram há dez anos. Mas ainda não se vê plenamente o reflexo na qualidade do futebol jogado porque não houve um desenvolvimento tático correspondente. Após um leve acordar depois do 7×1, a maioria dos nossos técnicos voltou a estagnar em uma zona de conforto e são pouquíssimo cobrados por isso.

Como resultado, o custo-benefício do futebol da maior parte dos times nacionais – o Grêmio é uma exceção – é muito ruim. É como se torcedor pagasse para ir em um restaurante de luxo e o chef viesse à mesa e informasse: "Olha, eu só sei fazer arroz com feijão, beleza?"

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Sobre o Autor

Nascido no Rio de Janeiro, em 1977, Rodrigo Mattos estudou jornalismo na UFRJ e Iniciou a carreira na sucursal carioca de “O Estado de S. Paulo” em 1999, já como repórter de Esporte. De lá, foi em 2001 para o diário Lance!, onde atuou como repórter e editor da coluna De Prima. Mudou-se para São Paulo para trabalhar na Folha de S. Paulo, de 2005 a 2012, ano em que se transferiu para o UOL. Juntamente com equipe da Folha, ganhou o Grande Prêmio Esso de Jornalismo 2012 e o Prêmio Embratel de Reportagem Esportiva 2012. Cobriu quatro Copas do Mundo e duas Olimpíadas.

Sobre o Blog

O objetivo desse blog é buscar informações exclusivas sobre clubes de futebol, Copa do Mundo e Olimpíada. Assim, pretende-se traçar um painel para além da história oficial de como é dirigido o esporte no Brasil e no mundo. Também se procurará trazer a esse espaço um olhar peculiar sobre personagens esportivas nacionais.


Rodrigo Mattos