Paralisação de jogo do Vasco por homofobia é marco para futebol brasileiro
rodrigomattos
26/08/2019 04h00
O árbitro Anderson Daronco foi o primeiro no território nacional a paralisar um jogo por manifestação homofóbica de uma torcida, no caso de parte dos vascaínos contra o time do São Paulo. Sua atitude é consequência de uma circular da Fifa que orientou as federações nacionais que parassem jogos nessa situação. Pelo código da justiça desportiva, há a possibilidade de punição ao Vasco, embora seja bastante improvável que seja com perda de pontos.
Haverá, claro, quem diga que o "futebol está chato", ou chega de mimimi, porque não consegue entender aquilo que atinge o outro e não a si mesmo. Ou haverá quem argumente que o clube não deve ser punido pelo comportamento de alguns torcedores.
Ora, foi com a punição ao clube que as torcidas passaram a pensar sobre o racismo no futebol ou antes a parar de jogar objetos em campo. Ou não foi a emblemática a eliminação do Grêmio da Copa do Brasil que fez a torcida do time refletir sobre seus xingamentos de macaco? Houve, sim, casos de racismo depois daquilo, mas de forma isolada, poucos torcedores, nenhum comportamento de massa. Será que atualmente iríamos tolerar um estádio inteiro gritando "Macaaaaaco" quando um goleiro bate tiro de meta?
Enquanto isso, toleramos fingindo que não ouvíamos quando boa parte das torcidas canta "bicha" ou "time de veado" ou outras variações do tema. E há quem diga que não há homofobia aí. Como se não fosse óbvio que o torcedor ali está querendo dizer: "Você é homossexual e portanto inferior a mim."
Não é uma questão da torcida do Vasco obviamente, e sim de todas as torcidas do futebol brasileiro. O Vasco é um clube com histórico de luta contra o racismo. Mas a homofobia está arragaida no futebol brasileiro tanto ou mais que o racismo. Talvez seja até pior porque sequer é vista como preconceito pela maioria dos envolvidos, sejam torcedores, jornalistas ou jogadores.
É uma realidade posta, aceite, se você é homossexual no meio do futebol, esconda-se para não ser agredido. Quantas não foram as torcidas organizadas gays que foram reprimidas ou ameaçadas na arquibancada? Quantos os jogadores que nunca saíram do armário pelo medo das represálias? Será que entendemos que é aceitável uma parte das pessoas que vive o futebol ter de esconder quem é por medo de agressões?
Sim, há uma evolução a algum tempo no futebol brasileiro com clubes com políticas inclusivas para tentar reduzir essa realidade. Mas esse avanço precisava de um basta, de um limite, de um marco. Não aceitamos mais que pessoas sejam discriminadas em um estádio por causa de suas escolhas sexuais. É contra a lei, é discriminatório, ponto. Chega.
E de uma certa forma foi o que Daronco fez ao paralisar o jogo levando o técnico Vanderlei Luxemburgo a pedir para sua torcida parar de cantar. E que todas as torcidas entendam que, sim, se forem homofóbicas seus times serão prejudicados.
Não se defende aqui que o Vasco perca pontos, obviamente que isso não deve acontecer. É educativo, passo a passo, e se no futuro após avisos e paralisações uma torcida insistir com o "bicha" ou o "veado" aí sim seu time seja punido de forma mais dura, seja eliminado como foi o Grêmio lá atrás, perca mando de campos. Outra medida que os clubes deveria adotar é retirar do estádio quem se manifestar de forma homofóbica. Gritou bicha, está fora.
Às vezes, só o caminho da punição mostra para as pessoas o quanto o seu comportamento é inapropriado e ofensivo a outros. "Ah, mas eu sempre fui assim em estádio". Bom, está na hora de mudar.
Sobre o Autor
Nascido no Rio de Janeiro, em 1977, Rodrigo Mattos estudou jornalismo na UFRJ e Iniciou a carreira na sucursal carioca de “O Estado de S. Paulo” em 1999, já como repórter de Esporte. De lá, foi em 2001 para o diário Lance!, onde atuou como repórter e editor da coluna De Prima. Mudou-se para São Paulo para trabalhar na Folha de S. Paulo, de 2005 a 2012, ano em que se transferiu para o UOL. Juntamente com equipe da Folha, ganhou o Grande Prêmio Esso de Jornalismo 2012 e o Prêmio Embratel de Reportagem Esportiva 2012. Cobriu quatro Copas do Mundo e duas Olimpíadas.
Sobre o Blog
O objetivo desse blog é buscar informações exclusivas sobre clubes de futebol, Copa do Mundo e Olimpíada. Assim, pretende-se traçar um painel para além da história oficial de como é dirigido o esporte no Brasil e no mundo. Também se procurará trazer a esse espaço um olhar peculiar sobre personagens esportivas nacionais.