Flamengo só terá hegemonia no Brasil se rivais forem incompetentes
rodrigomattos
08/12/2019 04h00
Após o Flamengo conquistar o Campeonato Brasileiro e a Libertadores, iniciou-se uma discussão sobre a possibilidade de o Rubro-Negro estabelecer uma hegemonia no futebol brasileiro. Quem defende esta tese entende que a força econômica do clube vai tornar impossível para rivais competirem, como ocorre em países europeus como Itália e Alemanha. Bem, tentemos analisar se essa é uma hipótese que se sustenta com os dados disponíveis.
Primeiro, é verdade que o Flamengo teve uma receita maior do que todos os outros clubes brasileiros em 2019 – deve atingir R$ 900 milhões. E é provável que o clube se consolide como o mais rico do país nos próximos anos, suas rendas devem ficar um pouco abaixo desse valor que foi absolutamente extraordinário neste ano pelas vendas de jogadores e premiações. Sem essas, não será surpresa se o clube se fixar em um patamar entre R$ 600 milhões e R$ 800 milhões nos próximos anos.
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E isso é suficiente para transformar o Flamengo em uma Juventus? Bem, para começo de conversa, clubes como o Palmeiras estão em um patamar acima de R$ 500 milhões de receitas, e Corinthians e São Paulo vêm logo em seguida, com algo entre R$ 400 milhões e R$ 500 milhões. Esses dois, ressalte-se, estão abaixo do seu potencial de arrecadação por terem administrações que não fazem bons contratos de publicidade, ou por negociarem mal atletas (caso corintiano) ou terem arrumado dívidas complicadas (ambos).
Outro clubes que estão bem lá atrás em receitas, como o Vasco, têm seu potencial ainda inexplorado. A agremiação cruzmaltina, com a quinta torcida do país, deve ganhar algo próximo de R$ 200 milhões no ano. Bem administrado, o clube poderia pelo menos dobrar isso. Basta olhar o exemplo do Grêmio, com torcida menor e 100% a mais de receita graças a uma gestão extremamente eficiente. E há outros clubes com potencial mal explorado: Santos, Cruzeiro, Atlético-MG e Internacional.
E aqui cabe um parênteses: é comum o argumento de que a cota de TV desequilibra o futebol brasileiro. Trata-se de uma falácia. A divisão de TV Aberta e Fechada é igual com critério por mérito, posição e exbição. E, no pay-per-view, o Flamengo arrecada igual ao Corinthians. Para o Palmeiras, a vantagem é de R$ 40 milhões. Para o São Paulo, é de R$ 60 milhões. E até para o Cruzeiro, sétimo colocado no ranking do ppv, a diferença é de R$ 70 milhões. Ora, esse tipo de vantagem por si só não é suficiente para estabelecer uma hegemonia. (O critério de divisão do ppv baseia-se no número de consumidores que cada time leva para o produto, fora garantias mínimas contratuais. Faz sentido sob o ponto de vista de mercado: quem mais entrega ganha mais)
Pense se todos esses clubes seguirem a cartilha básica: ajeitar as finanças, equacionar dívidas e explorar ao máximo o potencial da sua torcida. Todos teriam potencial de crescimento de receita e de investimento sustentável no futebol. O exemplo é o Athletico Paranaense, que, bem gerido, vai muito além do que o tamanho da sua torcida faria supor – torcida essa bem engajada com o clube, diga-se.
Comparando com outros mercados em finanças, em relação à Alemanha, o Flamengo tem uma vantagem bem menor do que o Bayern de Munique. O clube bávaro (619 milhões de euros) tem receita que é quase dobro do segundo colocado, Borussia Dortmund, pelo último relatório de finanças da Deloitte para 2017/2018. O Schalke 04 aparece na lista dos 20 mais ricos europeus, mas com 40% da receita do Bayern.
Na Itália, a disparidade é menor. Com quase 400 milhões de euros, a Juventus tem uma vantagem de 110 milhões de euros sobre a Inter de Milão, que ganha aproximadamente 70% da receita do clube líder. No país, há ainda Roma e Milan na lista dos principais 20 clubes do mundo. Seria um quadro mais parecido com o Brasileirão neste ano, não fosse a enorme capacidade financeira do grupo por trás da Juventus, dono também da Fiat, capaz de alavancar investimentos.
Além disso, é preciso ressaltar uma peculiaridade do futebol brasileiro em relação a outras ligas de elite. A receita do futebol no país é fortemente calcada em vendas de jogadores. O Palmeiras vai ficar bem atrás do Flamengo porque fez péssimos negócios em 2019: comprou mal e não conseguiu vender até agora de forma expressiva. A queda de bilheteria e a falta de premiações completam o quadro que afeta o resultado do ano. Mas, se tivesse feito a roda de transferências girar como em anos anteriores, a vantagem rubro-negra não seria tão grande.
Essa é uma grande questão do futebol brasileiro: há mão de obra barata e qualificada para quem souber procurar. As divisões de base têm peso significativo. Veja quanto o Grêmio ganhou nos últimos anos com Arthur e Pedro Rocha e deve conseguir com Everton. O chamado scouting, que inclui procura por jogadores em times menores, também tem bastante peso, pois assim acha-se opções imprevisíveis no mercado.
O que é pouco falado é que o Flamengo não se profissionalizou só nas finanças. Sua base foi totalmente reestruturada e passou a gerar jogadores como Paquetá e Vinicius Júnior, que turbinam a construção do time atual. Times como o Fluminense e o Vasco também têm bases boas, mas ficam com o pires na mão na hora de vender. João Pedro e Pedro saíram por pouco pelo seu potencial. O Vasco tenta segurar jogadores de futuro, mas tem contas para fechar.
No Brasil, um jogador revelado pode desequilibrar a liga, como aconteceu com Neymar e, em menor proporção, com Gabriel Jesus em 2016. O Palmeiras investiu naquele ano, e o melhor jogador do time saiu da base.
Não vou nem entrar no efeito da administração do departamento do futebol ter um Norte definido e como consequência acertar na contratação do técnico. Mas é óbvio que isso também tem peso no resultado final quando vemos o que Jorge Sampaoli fez com o Santos com um elenco mais barato do que concorrentes.
Dito isso tudo, a torcida do Flamengo representa 20% de toda do país. É suficiente para, com o clube bem gerido, estar sempre na briga por campeonatos no topo. Pode ser que, com o time e estruturas impressionantes que montou esse ano, consiga uma vantagem durante os próximos dois, três anos. Mas isso só vai virar uma hegemonia se os rivais forem bem incompetentes para não se estruturarem para alcançarem o time rubro-negro.
Sobre o Autor
Nascido no Rio de Janeiro, em 1977, Rodrigo Mattos estudou jornalismo na UFRJ e Iniciou a carreira na sucursal carioca de “O Estado de S. Paulo” em 1999, já como repórter de Esporte. De lá, foi em 2001 para o diário Lance!, onde atuou como repórter e editor da coluna De Prima. Mudou-se para São Paulo para trabalhar na Folha de S. Paulo, de 2005 a 2012, ano em que se transferiu para o UOL. Juntamente com equipe da Folha, ganhou o Grande Prêmio Esso de Jornalismo 2012 e o Prêmio Embratel de Reportagem Esportiva 2012. Cobriu quatro Copas do Mundo e duas Olimpíadas.
Sobre o Blog
O objetivo desse blog é buscar informações exclusivas sobre clubes de futebol, Copa do Mundo e Olimpíada. Assim, pretende-se traçar um painel para além da história oficial de como é dirigido o esporte no Brasil e no mundo. Também se procurará trazer a esse espaço um olhar peculiar sobre personagens esportivas nacionais.